Mais de um quarto dos aposentados no Brasil continua ativos no mercado de trabalho, número que cresce gradualmente desde 2011, de acordo com dados do IBGE.
Esse envelhecimento da população economicamente ativa é natural e positivo, uma vez que os mais velhos são a fatia com melhor qualificação e mais experiente da sociedade, na visão de especialistas.
A participação de pessoas com 60 anos ou mais na força de trabalho passou de 5,9% para 6,5% entre o início da série histórica da Pnad Contínua (pesquisa nacional de emprego), no primeiro trimestre de 2012, e o segundo trimestre de 2016. Na faixa de 14 a 24 anos, a participação caiu de 20,1% para 17,8%.
A variação ainda é tímida, mas tende a se intensificar. “A população brasileira para de crescer em 2030, isso é um horizonte quase de curto prazo. Todo o crescimento econômico vai passar a depender do aumento da produtividade”, diz o pesquisador especialista em previdência Luis Henrique Paiva.
Por isso, para especialistas, o mercado vai necessitar que os trabalhadores prolonguem sua vida profissional.
Esse entendimento, contudo, não é unânime. Para Lena Lavinas, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados de Berlim e professora de economia da UFRJ, essa visão é “equivocada”.
“Precisamos dos jovens, e não manter pessoas mais velhas nas mesmas ocupações, até porque, numa economia dinâmica, o emprego muda, as funções se transformam.”
TRABALHAR PRA QUÊ?
Hoje, quase metade dos aposentados continua trabalhando não porque quer, mas porque precisa, segundo levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL).
Para 47% dos entrevistados, o motivo de seguir ativo é complementar a renda –o benefício não é suficiente para pagar as contas.
Muitos não só pagam as suas contas como também as de toda a família: 60% deles são os principais responsáveis pelo sustento da casa.
No entanto, há aqueles que se aposentam, mas continuam trabalhando porque querem, usando o benefício como uma renda a mais.
Dados do IBGE mostram que o rendimento médio do trabalho cresce conforme a idade e chega ao seu ápice na faixa acima dos 60 anos, quando é mais do que o dobro do recebido por aqueles entre 18 e 24 anos (R$ 2.377 e R$ 1.083, respectivamente).
“A pessoa com 59 anos atualmente é diferente daquela que tinha essa idade há 20 anos. Hoje, ela ainda tem uma capacidade laboral muito grande e se aposenta por uma questão remuneratória, para aproveitar uma oportunidade que é oferecida”, diz o economista José Ronaldo Sousa Júnior, do Ipea.
BENEFÍCIO ACUMULADO
No Brasil, quem trabalha no setor privado pode se aposentar e continuar empregado. Servidores públicos devem deixar o cargo, mas podem tanto seguir ativos no setor privado como retornar a um cargo público.
Esse é o caso de Michel Temer, que acumula a aposentadoria de procurador do Estado com o salário de presidente da República.
Na maior parte dos países, a legislação é semelhante à brasileira, diz Paiva. Mas há os que vetam o recebimento de salário e de aposentadoria, casos de Chile e Portugal. Os Estados Unidos reduzem o valor pago até a idade de aposentadoria completa.
Ter um emprego com carteira assinada e receber aposentadoria ao mesmo tempo é uma situação absurda, afirma Lavinas. “Essa pessoa está reduzindo a oferta de emprego para quem está desocupado e em idade ativa”, diz.
Já Paiva acredita que são baixas as chances de a regra mudar e, ainda que fosse alterada, seria pouco eficaz diante da alta informalidade.
ENTENDA
Série discute reforma da Previdência
A série “Corrida contra o tempo” discute a situação da Previdência Social no Brasil e os esforços do governo federal para corrigir seus desequilíbrios. O presidente Michel Temer promete enviar sua proposta de reforma para o Congresso Nacional antes do primeiro turno das eleições municipais, marcadas para domingo (2).
Milhares de aposentados que retornaram ao mercado de trabalho poderão ser favorecidos com a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a troca de aposentadoria, mais conhecida como desaposentadoria. O tema estará na pauta de julgamentos do Supremo do dia 26 de outubro. Os ministros do STF decidirão pela validade ou não do instituto.
Segundo a AGU (Advocacia-Geral da União), existem mais de 182 mil ações judiciais em curso no País tratando da troca de aposentadoria o que, segundo a União, pode gerar custo de R$ 7,65 bilhões por ano no deficit da Previdência Social, e impacto de longo prazo de R$ 181,87 bilhões.
Além disso, dados de pesquisa do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) mostram que 33,9% dos aposentados acima de 60 anos ainda trabalham – ou seja, possivelmente ainda recolhem o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e podem pleitear no Judiciário a troca do benefício atual por outro mais vantajoso, que incorpore as contribuições feitas após terem ‘pendurado as chuteiras’.
O tema da desaposentadoria se arrasta na Corte Suprema desde 2003. Até o momento, a votação está empatada, com dois ministros favoráveis ao mecanismo e outros dois contrários. Em dezembro do ano passado, o processo foi liberado para voltar ao plenário. O caso estava suspenso por pedido de vistas da ministra Rosa Weber, que já devolveu os autos, mas ainda não proferiu seu voto.
Os especialistas em Direito Previdenciário destacam que, atualmente, a desaposentadoria já tem precedentes e decisões favoráveis no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e em diversos tribunais da Justiça Federal, que reconhecem o direito dos aposentados que retornaram ao mercado de trabalho de substituir seu benefício.
O professor e autor de obras de Direito Previdenciário Marco Aurélio Serau Junior afirma que a comunidade jurídica recebeu com bons olhos a notícia de que o processo que trata da desaposentadoria no STF terá seu julgamento retomado. “Essa previsão de retorno do julgamento é importante, uma vez que há centenas de milhares de processos suspensos aguardando esse posicionamento do STF. Entretanto, faça-se o registro de que o momento em que o tema retorna aos holofotes não é dos melhores, dadas a crise econômica que afeta o País e a discussão em torno da reforma previdenciária, fatores extrajurídicos que se espera que não afetem o julgamento”, alerta.
Murilo Aith, advogado previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, afirma que o desfecho do julgamento é o momento mais esperado dos últimos anos pelos aposentados que trabalharam ou ainda trabalham após a concessão da aposentadoria. “Acredito, e muito, na Corte Suprema (STF). Ela é guardiã da Constituição Federal e, como tal, não pode fechar os olhos para os artigos 195 e 201 e seus parágrafos, os quais, resumidamente, dizem que para cada contribuição tem de haver retorno em aposentadoria, que para cada fonte de custeio (contribuição ao INSS) tem de ter a respectiva contrapartida do Estado (concessão de aposentadoria)”, diz.
O especialista também reforça que “o momento político é propício para que os advogados previdenciaristas e aposentados também se movimentem, nas ruas, nas redes sociais, nas mídias e, especialmente, junto ao STF, para que haja uma força em conjunto, um clamor em prol da Justiça Social para o aposentado brasileiro”.
Na visão do advogado João Badari, sócio do mesmo escritório e também especialista no tema, o momento pode ser positivo para o julgamento, especialmente porque a nova presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, disse que o foco da Corte estaria nos interesses sociais do povo brasileiro. “E, nesse contexto, o maior interesse dos aposentados que retornaram ao mercado de trabalho é a decisão positiva sobre a validade da desaposentadoria e a possibilidade de conseguirem um benefício mais justo”.
Badari reforça que a desaposentadoria representa uma justiça social para o aposentado que está na ativa e que é obrigado a contribuir com a Previdência Social. “Essa é a chance de o STF acabar com essa injustiça. Isso porque a Constituição Federal deixa claro que toda contribuição deve ter sua contraprestação. E, no caso destes aposentados, isso não existe, pois eles são obrigados a contribuir com o INSS e não podem receber nem revisar seus benefícios mensais de acordo com a nova contribuição”, explica.
Hoje, segundo ele, o INSS não tem nenhum argumento jurídico para rebater a validade da troca de benefício. “O INSS está fazendo uma cruzada contra a desaposentadoria na área política, pois os principais tribunais brasileiros já reconhecem o direito. A autarquia previdenciária apresenta argumentos políticos e atuarias reforçando o deficit da Previdência no Brasil, o que não é verdade. Estudos recentes comprovam que o sistema previdenciário brasileiro é superavitário. Acreditamos que o STF vai enxergar este cenário”.
A orientação dos advogados é para que aqueles que ainda não ingressaram com suas ações na Justiça aproveitem para fazê-lo agora e aproveitar o possível efeito positivo da decisão do STF.
Justiça é a única porta para realizar a troca do benefício do INSS
Atualmente, a lei brasileira não prevê a desaposentadoria. Isso impede o trabalhador de recalcular sua aposentadoria com as novas contribuições. Inclusive, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) vetou a criação de uma legislação que permitiria a troca do benefício. Assim, o único caminho para os aposentados é o de bater à porta da Justiça.
“Atualmente o INSS não concede a desaposentadoria. Esse instituto não é admitido administrativamente. É concedido apenas pelas decisões judiciais”, afirma o professor Marco Aurélio Serau Junior.
O advogado Celso Joaquim Jorgetti, da Advocacia Jorgetti, destaca que, apesar de o STF ainda não ter definido a validade, o STJ considera “que, por se tratar de direito patrimonial disponível, o aposentado pode renunciar à sua aposentadoria com o propósito de obter benefício mais vantajoso, mediante a utilização das contribuições vertidas após a aposentação”.
TUTELA DE EVIDÊNCIA – E a Justiça Federal vem concedendo a troca de aposentadoria de maneira mais ágil. Em alguns casos recentes, o aposentado passou a receber o novo benefício em 20 dias após a publicação da decisão judicial.
E essas novas e rápidas decisões do Judiciário são baseadas em dispositivo previsto na nova versão CPC (Código de Processo Civil), que entrou em vigor em março, chamado tutela de evidência.
“A tutela de evidência é um mecanismo jurídico que passou a ser usado nas causas de desaposentadoria, e que permite que o benefício comece a ser pago de forma mais rápida, com base em provas documentais. A tutela de evidência difere da tutela de antecipação, também utilizada nos processos de troca de aposentadoria, porque não é necessário provar caráter de urgência para receber o benefício. Ou seja, nos casos que utilizam a tutela de evidência não se faz necessário provar para a Justiça que o aumento do valor da aposentadoria do segurado que ingressa no Judiciário é imprescindível para a sua sobrevivência”, explica o advogado Murilo Aith.