Crise nas montadoras afeta Brasil e Argentina

No país vizinho, empresas afastam funcionários alegando queda nas vendas para o mercado brasileiro

Nos primeiros dias de maio, a fábrica da Peugeot-Citroën, na província argentina de Córdoba, comunicou o afastamento temporário, mas por tempo indeterminado, de mil trabalhadores. Dias antes, outros 1.100 tiveram seus contratos de trabalho suspensos pelas empresas automobilísticas Iveco e Renault, também em Córdoba.

Depois, vieram medidas similares na Fiat e na Volkswagen. Trabalhadores do setor estão em estado de alerta e afirmam que a crise em que estão mergulhadas as montadoras na Argentina se deve a uma somatória de motivos, entre eles, a drástica queda das exportações de automóveis para o mercado brasileiro.

Dos dois lados da fronteira, o setor é o mais castigado pela expressiva deterioração do comércio entre os principais sócios do Mercosul. No Brasil, as montadoras também se queixam do freio na economia doméstica e das quedas nas exportações para a Argentina, que levaram as empresas a afastarem centenas de trabalhadores.

Em abril deste ano, o comércio bilateral entre Brasil e Argentina recuou 24%, em relação ao mesmo período do ano passado. E o setor mais afetado é justamente a indústria automobilística.

— Estamos profundamente preocupados, a crise de nosso setor também se deve à queda das vendas no mercado interno. Mas a retração das exportações para o Brasil é uma péssima notícia para nós — disse Fabian Basile, trabalhador da fábrica da Volkswagen, em Córdoba.

No primeiro bimestre de 2014, as importações brasileiras de automóveis da Argentina caíram 14,3% em relação ao mesmo período do ano passado, ao contrário das aquisições de carros de outros mercados, tendência que levou o ministro da Economia, Axel Kicillof, a queixar-se com o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Mauro Borges, em recente encontro, em Buenos Aires.

Entre janeiro e fevereiro, as importações de automóveis da China e da Alemanha, por exemplo, aumentaram quase 190% e as provenientes do México, 35,25%. O Brasil também tem motivos para chiar: nos primeiros três meses deste ano, as exportações de carros para o mercado argentino despencaram 32%.

— Também estão sendo muito prejudicadas as fabricantes de autopeças — contou Basile, que é delegado do Smata, o sindicato dos trabalhadores do setor.

Setor representa 49% do comércio entre os dois países

De acordo com a empresa de consultoria Abeceb, comandada pelo ex-secretário da Indústria argentino Dante Sica, entre janeiro e março a Argentina registrou uma queda 17% em seu comércio com o Brasil, mas, mesmo assim, obteve um superávit bilateral de US$ 35 milhões. Nesse período, as importações de produtos brasileiros recuaram 13%, frente ao mesmo período do ano passado.

— O setor mais castigado por este mau momento do comércio bilateral é o automotivo — confirmou Sica.

Segundo ele, “as barreiras às importações e a demora na discussão sobre um novo regime automotivo” contribuíram para levar as montadoras a uma situação crítica.

— A desaceleração das duas economias também é importante, mas não tanto como as medidas protecionistas e as restrições no mercado cambial argentino — afirmou o diretor da Abeceb.

O setor automobilístico representa 49% do comércio bilateral entre Brasil e Argentina. E as dificuldades enfrentadas pelas indústrias automobilísticas impedem que os dois países entrem, finalmente, em um regime de livre comércio de automóveis. O acordo automotivo em vigor terminará no próximo dia 30 de junho, mas as empresas não estão preparadas. Por isso, o ministro brasileiro Mauro Borges afirma que as regras atuais devem ser mantidas por pelo menos mais um ano.

Na quarta-feira, haverá um encontro entre representantes do setor dos dois países para fecharem uma proposta. Segundo uma fonte, a ideia é que seja fechado um acordo de transição para o livre comércio, com a volta do sistema flex, ou seja, para cada determinada quantia de carros importados com tarifa zero, um volume de veículos deve ser exportado.

— A proposta brasileira é de prorrogação do acordo por um ano — disse Borges.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, disse estar otimista sobre a reunião. Segundo ele, o setor trabalha, junto com os governos do Brasil e da Argentina, pela integração da produção e dos mercados:

— Entre Brasil e Argentina não pode haver simplesmente um acordo de comércio, mas de integração da produção e dos mercados.

Acordo automotivo expira no dia 30

Nesta terça-feira, no Rio, o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, defendeu a liberalização do comércio de automóveis entre Brasil e Argentina, lembrando que o acordo automotivo expira no dia 30 de junho.

— No caso de automóveis é um mercado em que nós não temos alternativa, é Argentina ou Argentina. Além de automóveis, tem autopeças, uma cadeia produtiva grande na qual não somos competitivos em outros mercados — disse Castro, que participou do XXVI Fórum Nacional.

Nas primeiras semanas deste mês, o saldo da balança comercial brasileira está positivo em US$ 226 milhões, informou hoje o governo. Em abril, o saldo foi positivo em US$ 506 milhões.