Apesar das exigências de nacionalização dos veículos produzidos no país, o governo não conseguiu deter o aprofundamento do déficit comercial na indústria de autopeças, que alcançou a marca recorde de US$ 10,6 bilhões no ano passado, após fechar 2012 com saldo negativo em US$ 6,5 bilhões.
Embora o Brasil tenha uma situação de superávit com a Argentina, seu principal parceiro comercial na indústria automobilística, a entrada mais agressiva de peças da China e da Coreia tem puxado as importações. Ao mesmo tempo, o avanço no padrão tecnológico dos carros montados no país aumenta a dependência de componentes não produzidos localmente, principalmente no campo da eletrônica. Mas, além desses fatores, as importações crescem porque o governo, apesar de cobrar o uso de autopeças locais para liberar incentivos do novo regime automotivo, está demorando para implementar um sistema de rastreamento da origem dos componentes adquiridos pelas montadoras.
Desde 2007, quando o setor encerrou um ciclo superavitário, o déficit na balança comercial das autopeças é crescente. Em meio a períodos de valorização do real que tiraram competitividade do produto brasileiro, o saldo negativo saiu de US$ 80 milhões para US$ 4,2 bilhões em 2010, mais do que dobrando esse montante nos três anos seguintes. Nesse período, a indústria brasileira teve que enfrentar a concorrência de peças importadas de diversas partes do mundo, com crescente competição de produtos chineses e, agora, a disparada nas compras de componentes coreanos.
Nos últimos seis anos, a participação da China nessas importações avançou de 5,3% para 8,5%. Tal evolução colocou o país asiático na quarta colocação entre as principais origens das peças importadas no Brasil, à frente da Argentina, que responde por 8,2% do total.
Já a fatia da Coreia avançou de pouco mais de 1%, em 2008, para 8,2% – igualando-se, portanto, aos argentinos. No ano passado, as importações de componentes coreanos – de US$ 1,8 bilhão – subiram 43,3%, turbinadas pela chegada da Hyundai, que traz da Coreia o motor e o câmbio do HB20, compacto montado pela marca em Piracicaba, no interior paulista.
Balanço do ministério do Desenvolvimento mostra que, no total, o Brasil importou US$ 21,35 bilhões em peças no ano passado, 17,8% a mais do que em 2012. Na direção oposta, as exportações dos fabricantes de autopeças, incluindo produtores de pneus, cederam 7,5%, para US$ 10,75 bilhões.
Como 60% das importações são feitas pelas próprias montadoras, a política automotiva batizada de Inovar-Auto – editada no início de outubro de 2012 – tenta corrigir o desequilíbrio na balança comercial ao atrelar descontos no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ao uso de peças locais na montagem dos veículos. Quanto maior for a compra de autopeças brasileiras, ou do Mercosul, maior será o abatimento no tributo.
A intenção, portanto, é estimular as compras de produtos nacionais, mas esse é um estímulo que depende de um controle sobre o que as montadoras estão comprando, o que só é possível com um sistema de rastreabilidade, diz a consultora Letícia Costa, do Insper. “Sem isso, o governo não tem como acompanhar nada”, afirma a especialista. Ela reconhece, porém, que é um tanto complexo definir como esse sistema de rastreamento será operado – primeiro, pelo grande volume de informações que passará por ele e, segundo, porque ainda falta decidir quem será responsável pelas informações prestadas. Além disso, Letícia vê pouca disposição das montadoras em estabelecer um mecanismo de monitoramento de suas compras.
Neste mês, o governo começou a preparar o terreno para a introdução desse sistema ao publicar medida provisória que obriga fornecedores a informar valores e características dos produtos que vendem. Há uma expectativa de que o rastreamento comece a sair do papel em fevereiro.
Ontem, um levantamento divulgado pela Anip, entidade que abriga os fabricantes de pneus, revelou que o déficit comercial no setor subiu para mais de US$ 355 milhões em 2013, um novo recorde. Com isso, essa indústria acumula quatro anos seguidos de saldos negativos na balança comercial.
A Anip tem cobrado do governo medidas de apoio à competitividade da indústria nacional, como a desoneração tanto das exportações e como dos insumos. Os fabricantes também querem estender a importadores de pneus a obrigatoriedade de investimentos mínimos na reciclagem do produto. “O Inovar-Auto fica um pouco manco se não for acompanhado por outros incentivos para toda a cadeia”, diz o presidente da Anip, Alberto Mayer. No ano passado, as importações de pneus subiram 7,6%, para 44,9 milhões de unidades, ou 39% do consumo brasileiro.