Deputados investigam tortura nas obras de Jirau

Fábio Góis

Comissão de Direitos Humanos e a CPI do Tráfico de Pessoas investigam abusos de empresas e força excessiva da polícia em uma das mais importantes obras do PAC

Não bastassem os questionamentos ambientais, as obras da Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, no estado de Rondônia, são alvo agora de denúncias graves violações aos direitos humanos. Um grupo de deputados da Comissão de Direitos Humanos (CDH) e da CPI do Tráfico de Pessoas investiga o caso. As denúncias de abusos já foram informadas à presidenta Dilma Rousseff.

A Hidrelétrica de Jirau é uma das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). De acordo com as denúncias, as obras são um canteiro de violações aos direitos humanos, em que operários são submetidos a maus tratos, insalubres condições de trabalho, confinamento e nenhuma opção de lazer, além de salários baixos e nenhum poder de voz junto aos empregadores. E, de acordo com depoimento colhido na última quarta-feira (4) pela CDH, tortura.

No início do ano, entre março e abril, insatisfeitos com as condições de trabalho, um grupo de operários iniciou um motim que culminou em incêndio na madrugada do dia 2 abril, quando parte dos alojamentos da usina de Jirau foi totalmente destruída. Ao todo, 36 das 57 instalações à margem direita do Rio Madeira foram incendiadas.

Tráfico de pessoas
Naquela madrugada, Raimundo foi preso e, sem qualquer procedimento judicial, ficou entre o centro de detenção local e um presídio por 54 dias. Foi nesse período que, diz o operário, foi torturado para confessar participação no motim. Ele disse que foi submetido a condições sub-humanas, com longos intervalos de tempo sem comida, água para beber ou escovar os dentes. Nem a banho os detentos tiveram acesso, disse o operário, interiorano do Piauí que foi recrutado por um aliciador de mão-de-obra (o chamado “gato”), a quem devia R$ 500 como condição para a contratação nas obras da usina. Segundo a Comissão de Direitos Humanos, trata-se de crime de tráfico de pessoas previsto na Convenção Internacional de Palermo, instrumento de cooperação jurídica assinada por 192 países em 15 de novembro de 2000.

“A cela tinha três metros de comprimento por metro e meio de largura. Tinha mais seis pessoas. Não tinha colchão, era no chão puro. Sou pobre, porém mereço respeito. Não faria nada daquilo que me acusaram, mesmo porque eu precisava do trabalho”, afirmou Raimundo, que teve pertences e documento retidos pela Construtora Camargo Corrêa, responsável pelo empreendimento. O operário foi solto por faltas de prova, e mesmo assim por intervenção da Associação dos Advogados do Povo, que atua em Rondônia.

Além da Cebraspo, a Liga Operária de Rondônia participou da reunião da CDH. As entidades elaboraram petição pública e encaminharam a órgãos do governo federal em busca de providências sobre as denúncias e punição aos responsáveis pelo desaparecimento dos grevistas.

A reportagem tentou contato com a Camargo Corrêa, por meio dos três telefones disponíveis no site oficial, durante toda a tarde desta segunda-feira (9), mas não conseguiu falar com representantes da empresa. Mensagens eletrônicas também foram enviadas à página na internet e no perfil da corporação no Facebook, mas nenhuma resposta foi dada até o fechamento desta matéria.

Providências
Tanto a Comissão de Direitos Humanos da Câmara quanto a CPI do Tráfico de Pessoas, instalada em 3 de abril, já estudam ações sobre as denúncias dos trabalhadores. A comissão de inquérito realiza hoje (terça, 10), em sessão secreta, oitiva com Dalton dos Santos Avancini e Victor Paranhos, representantes da Camargo Corrêa convocados a depor sobre o assunto. Também falarão ao colegiado Cleonilde Nunes Serrão e Ermógenes Jacinto de Souza, que prestarão esclarecimentos sobre a contratação de operários de outros estados nas obras da usina.

O vice-presidente da CDH, o deputado Padre Ton (PT-RO) disse ao Congresso em Foco que as condições de trabalho nos canteiros de obras de Jirau são análogas à escravidão. “O relato desse rapaz foi uma bomba. Isso é uma vergonha para o nosso país, sexta economia do mundo, que cresce economicamente. É um absurdo ainda termos um exemplo como esse dentro de obras feitas com recursos do próprio governo federal. É uma situação análoga à escravidão”, lamentou o deputado, que visitou as obras em 22 de março com o presidente da comissão, Domingos Dutra (PT-MA), e com ele atestou as violações trabalhistas, que coincidem com a recente aprovação da PEC do Trabalho Escravo.

Padre Ton disse que o depoimento de Raimundo será anexado ao relatório da diligência feito com Dutra sobre a situação nas obras da usina. O deputado rondoniense disse que, mesmo na condição de parlamentar a serviço de uma comissão do Congresso, teve de esperar por quase duas horas do lado de fora das instalações até ser autorizado a falar com a chefia do empreendimento. Foi quando percebeu algo além das condições insalubres de trabalho.

Fonte: Congresso em Foco