Desoneração salarial e crescimento econômico

Por Marcelo P. Gômara e André F. Morade

Recentemente, o governo anunciou um novo pacote de “desoneração” da folha de salário de determinadas empresas. O objetivo anunciado é a proteção da indústria nacional com relação aos produtos importados, diante de um cenário que a própria presidente classificou como concorrência predatória.

Dentre diversas medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda Guido Mantega (e formalizadas por meio da Medida Provisória nº 563), empresas de vários setores passarão a recolher suas contribuições previdenciárias com base nas alíquotas de 2% e 1% sobre a receita bruta, excluídas as receitas de exportação e as vendas canceladas.

Tal medida é a continuação de um projeto iniciado no ano passado, por meio do qual as empresas de Tecnologia da Informação (TI), Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e que produzem alguns dos produtos da lista TIPI (Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados) tiveram a contribuição previdenciária sobre a folha de salários (20%) substituída por contribuição sobre a receita bruta (2,5% e 1,5%, respectivamente). Pouco tempo depois, a medida se mostrou ineficaz, tendo inclusive gerado majoração da contribuição de algumas empresas.

Criou-se, então, o novo pacote anunciado recentemente, o qual prevê a redução das alíquotas sobre receita bruta mencionadas acima (para 2% e 1%, respectivamente) e a inclusão das empresas do ramo hoteleiro e de novos setores de empresas que produzem produtos da lista TIPI. A primeira dúvida que fica é se esse novo pacote será suficiente para desonerar – e estimular – a indústria brasileira.

Muito se fala em necessidade de redução da carga tributária da indústria brasileira, que se encontra estagnada sem projeções de crescimento. Os representantes das indústrias reclamam que os encargos sobre a folha de salários não permitem que haja crescimento, e que produtos importados ganham mais competitividade, pois muitas vezes contam com mão de obra barata (como no caso da China), tornando inviável a competição dos produtos brasileiros.

O governo adota o discurso de que, de fato, é necessária a desoneração da folha de salário, tanto para permitir o crescimento da indústria brasileira, quanto para diminuir a informalidade nas relações de trabalho.

Entretanto, as medidas adotadas para desoneração da folha de salário das indústrias brasileiras se mostraram um tanto quanto ineficazes, sendo que já há informações de que as novas alterações também não serão suficientes para gerar reduções significativas de gastos com contribuições previdenciárias devidas pelas empresas afetadas e, inclusive, poderão gerar majoração para algumas empresas.

Tanto assim que, logo após o anúncio do novo pacote feito pelo governo, um sindicato que representa sensível parcela das empresas do setor de TI anunciou que ajuizaria ação judicial contra a nova forma de cálculo da contribuição previdenciária, pois esta teria gerado aumento de contribuição para a maioria das 45 mil empresas a ele associadas.

Diante desse cenário, pergunta-se: será que a intenção do governo é realmente desonerar a folha de salário das empresas ou apenas substituir a base de cálculo das contribuições para ter maior controle de arrecadação e, ainda, não ficar vulnerável a eventuais cortes de pessoas feitos pelas empresas?

Afinal, o governo poderia simplesmente reduzir a alíquota a ser aplicada sobre a folha de salário, ao invés de alterar também a base de cálculo. Ou, ainda, poderia permitir que as empresas optassem pelo novo regime, ao invés de sujeitarem-se obrigatoriamente, garantindo, ao menos, que nenhuma empresa sofresse majoração.

Antes de responder tais indagações, é necessário analisar a possibilidade de se reduzir as arrecadações da Previdência Social, que já anuncia déficits recorrentes. A Previdência Social brasileira é um dos braços da Seguridade Social. A análise do governo – e, consequentemente, os anúncios de seguidos déficits da Previdência Social – leva em conta, tão somente, a Previdência Social. Se considerarmos as arrecadações e gastos da Seguridade Social como um todo, o sistema apresenta superávits seguidos, sendo que em 2010 este superávit atingiu o montante de R$ 58 bilhões, segundo Análise da Seguridade Social publicada pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) em julho do ano passado. Portanto, há espaço para uma efetiva redução das contribuições previdenciárias. Essa redução deveria ser simples: redução direta da alíquota a ser aplicada sobre a folha de salário de alguns ramos da indústria brasileira. Aliás, essa era a proposta idealizada inicialmente pela presidente.

Seria possível, de um lado, conceder às indústrias uma redução automática de alguns pontos percentuais na contribuição. Paralelamente, para estimular o crescimento – não só operacional, mas também tecnológico – o governo poderia possibilitar reduções adicionais em contrapartida a investimentos tecnológicos comprovados pelas indústrias.

Desta maneira, as empresas teriam de fato uma redução significativa dos encargos sobre a folha de salários, possibilitando o investimento no crescimento da produção e o aumento da geração de empregos, além, é claro, de impedir que empresas tenham majoração de suas contribuições. Além disso, esta medida estimularia as empresas a investirem em avanços tecnológicos, pois tais investimentos gerariam mais descontos nas contribuições.

A substituição de toda sistemática de recolhimento, como feita pelo governo, tem se mostrado efetiva apenas para facilitar o controle sobre os recolhimentos. Contudo, se mostra ineficiente para gerar reduções substanciais às empresas e incentivar o seu crescimento.

Marcelo Pereira Gômara é sócio responsável pela área trabalhista e Previdência Social de TozziniFreire Advogados.
André Fittipaldi Morade é advogado na área trabalhista e Previdência Social de TozziniFreire Advogados.