Diferencial de juros registrado no Brasil é o maior em dez anos

O Globo

Distância para taxa de países ricos atrai capital de curto prazo e pressiona câmbio

O novo presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, comanda hoje sua primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), e a expectativa é que mantenha a taxa básica de juros (Selic) estável nos atuais 14,25% ao ano. Enquanto isso, os países europeus vêm reduzindo suas taxas, para tentar estimular a economia, e o Federal Reserve (Fed, o BC americano) deve adiar a alta dos juros. Essa combinação de fatores levou a diferença entre a taxa brasileira e a média dos países desenvolvidos ao maior patamar em dez anos: 13,73 pontos percentuais.

Levantamento feito pelo economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini, a pedido do GLOBO, mostra que este é o maior nível desde fevereiro de 2006, quando ficou em 13,88 pontos. Agostini usou a média das taxas básicas de juros de Estados Unidos, Austrália, Canadá, Japão e zona do euro, que ficou em 0,53% em maio deste ano. Em fevereiro de 2006, portanto bem antes da crise financeira global, essa média era de 3,38%, enquanto a Selic estava em 17,25%.

O chamado diferencial de juros é um dos indicadores que estimulam a atração de capital de curto prazo, com perfil mais especulativo, e vinha variando entre 13,64 e 13,68 desde julho do ano passado. Neste século, o nível desse diferencial só foi maior entre fevereiro e março de 2003, quando a Selic estava em 26,50%, e a média dos juros dos países desenvolvidos era de 2,54%.

REAL TENDE A SE APRECIAR MAIS

E há pouca expectativa de mudança nesse cenário nos próximos meses, já que a economia global se vê às voltas com os efeitos econômicos do Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia) e da intensificação dos atentados terroristas.

— A perspectiva de aumento de juros lá fora está adormecida, e, aqui no Brasil, há dúvidas sobre o corte da taxa. Então a avaliação é que o diferencial de juros deve se manter elevado por pelo menos seis meses — afirma Agostini.

Ele aponta que a taxa de remuneração dos títulos do Tesouro americano para o prazo de dez anos — os chamados T-Bonds — estava em 2,3%, enquanto no Brasil, hoje, os papéis do Tesouro prefixados têm taxa de 12%.

Agostini ressalta, porém, que o diferencial elevado de juros não é o único fator determinante na decisão dos investidores estrangeiros — o risco-país e a variação cambial também são importantes. O credit default swap (CDS, espécie de seguro contra calote da dívida soberana), indicador do risco associado ao Brasil, de cinco anos ficou em 288,3 pontos. Em março deste ano, antes do início do processo de impeachment, havia superado os 400 pontos.

O economista-chefe da Austin lembra ainda que as pesquisas mostram aumento da confiança no Brasil nos últimos meses. Sua expectativa é que, com a definição sobre o impeachment, cresça o volume de investimentos no país, especialmente os de curto prazo.

Isso traz consequências para o câmbio: o real tende a se apreciar ainda mais, movimento que vem sendo observado nas últimas semanas. O professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Getulio Vargas André Nassif ressalta que, quanto maior o diferencial de juros, maior a atração de capital de curto prazo, mantendo-se as demais condições constantes. Estudo feito por ele para o período entre 1999 e 2015 aponta que a evolução da renda per capita, o diferencial de juros e os termos de troca são os três fatores que mais determinam o comportamento da taxa real de câmbio.

— Existe um alto estoque de liquidez no mundo, freneticamente desejoso por ganhos com diferenciais de preços. A tendência é mirar países em que o diferencial de juros é maior, sem riscos de controle cambial — diz Nassif.

AJUSTE NO COMÉRCIO EXTERNO

O aumento da confiança com uma avaliação melhor da situação fiscal favorece esse processo, mas o professor destaca que também há influência do ajuste comercial externo em curso no país. Ele lembra que o déficit em conta corrente era de US$ 104 bilhões no fim de 2014 — o que correspondia a 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) —, montante que caiu para US$ 58,8 bilhões no fim de 2015 (3,3% do PIB) e US$ 29,5 bilhões (1,7% do PIB) no período de 12 meses encerrado em maio deste ano. A previsão é que chegue a zero no fim de 2016, segundo Nassif:

— Fizemos um ajuste externo recessivo, com queda forte de importações, de maneira muito rápida. Dado o cenário, a perspectiva é que o diferencial de juros continue alto e o real continue se apreciando.

O mercado acredita que o BC vá manter a taxa de juros em 14,25% ainda por algum tempo. Nassif destaca que, diante da postura cautelosa da autoridade monetária, o movimento não só não será imediato como ocorrerá de forma gradual. Com isso, vai se manter o diferencial de juros elevado. A avaliação é compartilhada pelo economista Joaquim Elói Cirne de Toledo:

— Acredito que há espaço para reduzir juros, mas acho que o Banco Central não vai mexer nos juros pelo menos nas próximas duas reuniões, até pela questão da credibilidade. Com isso, os movimentos de capitais de curto prazo vão continuar, pressionando o dólar mais para baixo.