MARCELO ABI-RAMIA CAETANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O fator previdenciário foi criado em 1999 como forma de superar a ausência de idade mínima das aposentadorias por tempo de contribuição do INSS. A ideia é fazer com que cada pessoa receba na sua aposentadoria o equivalente ao que aportou. Assim, quanto mais tempo contribui e quanto mais tarde se aposenta, maior o valor do benefício. Não se trata de um redutor como muito se repete, mas de buscar equilíbrio entre pagamento e recebimento.
A fórmula de cálculo das aposentadorias por tempo de contribuição consiste em dois passos. Primeiramente, calcula-se a média dos salários de contribuição. Na sequência, essa média é multiplicada pelo fator previdenciário.
No fim de 2014, o governo editou Medida Provisória (MP) que alterou as regras de acesso e a fórmula de cálculo das pensões por morte. Ao tramitar no Congresso, houve inclusão da fórmula 85/95 para o cálculo dessas aposentadorias, que extingue a multiplicação pelo fator, caso a soma da idade e tempo de contribuição seja superior a 85 para mulheres e 95 para homens.
O executivo vetou a alteração, mas editou a MP 676 que transforma progressivamente essa fórmula para 90/100 em 2022. Como ainda será analisada pelo Congresso, haverá provavelmente novas alterações —algumas potencialmente imprevisíveis como foi a fórmula 85/95— com possibilidade de novas discussões sobre vetos.
O efeito final sobre as finanças públicas depende da reação das pessoas à nova fórmula de cálculo. Caso não respondam aos novos incentivos de postergar as aposentadorias e continuem a se aposentar o quanto antes com a aplicação do fator nada muda em termos das contas públicas. Caso resolvam prorrogar, há dois efeitos sobre as contas do governo.
No início, há alívio porque se represa um fluxo de concessão de novas aposentadorias no futuro próximo, porém, a médio e longo prazo, a conta fica mais alta para o governo porque o valor da aposentadoria e de suas decorrentes pensões por morte aumentam. Por exemplo, em 2014, as mulheres se aposentaram em média com 52 anos e os homens com 55. Isso significa que caso contribuam mais, a aposentadoria deixaria de ser por volta de 70% da média dos salários de contribuição para 100%. É preciso fazer as contas para ver qual dos efeitos prevalecerá.
Em relação à fórmula 85/95, o governo foi claro em sua entrevista coletiva da última segunda que o custo de longo prazo em muito supera o benefício de curto prazo.
É preciso alertar que o impacto sobre as contas públicas pode ser maior em função de duas judicializações, isto é, contestações judiciais com requisição de revisões de benefícios que o INSS não concede administrativamente.
Em primeiro lugar, pessoas que se aposentaram com o fator entre final de 1999 e junho de 2015, mas que atenderam às condições da 85/95 podem recorrer à justiça e requerer revisão de benefício conforme as novas regras.
Em segundo lugar, os incentivos à “desaposentação” —a qual ainda se encontra em votação no Supremo Tribunal Federal— ficam evidentes. Essa “desaposentação” consiste em cancelar a aposentadoria em recebimento e requerer outra pelas novas regras. Por exemplo, um segurado pode se aposentar assim que completar as condições de aposentadoria mesmo com a aplicação do fator, mas continua a contribuir. Assim que completar as condições de integralidade, o racional do ponto de vista financeiro é requerer sua desaposentação para cancelar o benefício anterior e ter acesso ao benefício integral. Em outras palavras, no limite, a “desaposentação” anula o alívio de curto prazo para as contas públicas, mas mantém o custo de longo prazo mais alto da nova fórmula de cálculo de benefício.
O debate, contudo, não deve se restringir a questões fiscais. As aposentadorias por tempo de contribuição são usualmente concedidas a pessoas de segmentos médios e altos que se inserem regularmente no mercado de trabalho formal e conseguem se aposentar ainda jovens na faixa dos 50 anos. Pessoas de baixa renda com inserção irregular no mercado de trabalho tendem a se aposentar por idade aos 65 anos (homens) e 60 (mulheres). Em outras palavras, reflexão mais profunda indica que o grupo beneficiado pela nova fórmula não são necessariamente os mais pobres, mas aqueles que conseguiram inserção regular no mercado de trabalho que usualmente pertencem aos estratos médios e altos da sociedade.
É preciso que a sociedade reflita sobre a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo, as gerações futuras e a equidade da previdência em vez de ceder às tentações das conveniências do momento.
MARCELO ABI-RAMIA CAETANO é economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)