Arícia Martins | De São Paulo
A perda de fôlego do mercado de trabalho e o avanço da inflação afetaram mais os rendimentos dos profissionais da iniciativa privada que contam com carteira assinada na primeira metade do ano. Enquanto os trabalhadores não registrados das seis principais regiões metropolitanas do país viram a renda subir 5,5% no primeiro semestre ante igual período de 2012, aqueles que possuem registro em carteira tiveram ganho real de apenas 1,8% na mesma comparação. Os cálculos foram feitos pela LCA Consultores, a pedido do Valor, com base na Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE.
Na última década, especialistas apontam que o salário mínimo tem sido importante referência para remuneração dos ocupados no setor informal e, por isso, garantiu correções salariais maiores a esse grupo do que ao de trabalhadores do mercado formal, onde a influência é mais restrita.
Em 2013, mesmo com aumento menor do piso nacional – 2,7% em termos reais – a avaliação é que o mínimo funcionou novamente como proteção aos funcionários não registrados, ao passo que os acordos coletivos dos empregados com carteira assinada foram prejudicados pela inflação mais alta.
“Em julho, o trabalhador tinha em mãos uma inflação de 6,7% até junho. Se queria 3% de ganho real, teve que pedir 10% de variação nominal, índice muito difícil de ser obtido”, observa Fabio Romão, economista da LCA. Na média de janeiro a junho, Romão nota que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado em 12 meses, usado como base nas negociações salariais, ficou em 7%. Especialmente em um cenário de preços mais pressionados, diz ele, o mínimo funciona como uma “blindagem” ao trabalhador informal.
Para Fernanda Guardado, do banco Brasil Plural, a disparidade entre a alta dos rendimentos dos ocupados com carteira e dos sem carteira é um fenômeno que não tem uma razão clara, dado o processo de formalização pelo qual a economia brasileira passou nos últimos anos. Em 2013, no entanto, Fernanda avalia que a piora da dinâmica inflacionária é uma das hipóteses a ser considerada para explicar esse movimento. “Os trabalhadores com carteira, que têm data-base ao longo do primeiro semestre, tiveram a renda corroída pelo aumento da inflação. Já o grupo sem carteira tem mais flexibilidade na determinação de seus salários”, afirma a economista.
Em meio a uma conjuntura econômica com maiores incertezas, Fernanda diz que as empresas estão mais cautelosas em arcar com custos elevados de contratar um funcionário diretamente com registro em carteira. A decisão de empregar, em um primeiro momento, novos profissionais sem registrá-los também pode ter afetado os ganhos salariais no mercado formal, diz a analista do Brasil Plural.
Segundo José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e economista da Opus Gestão de Recursos, o “fraco” crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos anos foi concentrado nos setores de serviços e da construção civil, que usam mais mão de obra informal do que outros ramos da economia. “Por essa razão, os rendimentos dos trabalhadores menos qualificados têm também crescido mais do que o dos trabalhadores mais qualificados.”
Camargo acrescenta que os salários na economia informal, ao contrário do observado no setor formal, são mais flexíveis, pois respondem mais rapidamente e com maior força à relação entre a oferta e a demanda por determinada ocupação. Portanto, afirma o professor, a procura maior por profissionais pouco qualificados resultou em ganhos salariais mais robustos para esses trabalhadores.
Romão, da LCA, também vê algum impacto da dinâmica de crescimento sobre os rendimentos formais e informais. Com 69,7% de seus funcionários registrados, a indústria tem mostrado desempenho pior do que a média este ano, o que pode ter puxado para baixo os reajustes salariais no setor. Já os serviços, ainda que com alguma desaceleração, continuam ajudando a renda dos sem carteira, influenciados principalmente pelos serviços domésticos, setor no qual uma redução da oferta de mão de obra elevou os salários, diz ele.
A partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o professor João Saboia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), calcula que, no período de 2004 a 2009,
os salários recebidos no setor informal foram reajustados, em média, segundo 74% da variação do mínimo. No segmento formal, essa relação é menor, de 67%. O piso nacional, diz Saboia, tem influência maior sobre a renda dos trabalhadores sem carteira, fator que continua explicando os ganhos mais robustos nas remunerações informais.
Além disso, o professor menciona que, com correções anuais, os rendimentos no segmento formal podem ficar defasados em relação à inflação, enquanto, no mercado informal, a rotatividade é maior e o salário pode ser reajustado mais frequentemente, quando o trabalhador muda de um emprego para outro.