Emprego cresce mais na faixa até 2 mínimos


João Villaverde | De São Paulo

O crescimento da economia e do emprego formal, a partir da recuperação iniciada no fim de 2009, tem concentrado a geração de vagas nas faixas de rendimento até dois salários mínimos. Entre setembro de 2009 e agosto de 2010, foram gerados 2,5 milhões de empregos com carteira assinada até dois mínimos, mas nas faixas de rendimentos superiores a esta faixa, o saldo entre admitidos e demitidos representou o fechamento de 284,7 mil vagas, reduzindo o volume total de novos empregos para 2,27 milhões de vagas. O fechamento de vagas nas faixas de maior salário representou 11% do total de empregos criados nos grupos de menor renda. Essa proporção é maior do que a registrada em 2008, quando o país também crescia fortemente.

Nos 12 meses terminados em agosto de 2008, quando o saldo total de vagas criadas foi igualmente expressivo (2,1 milhões de empregos criados ) o resultado negativo registrado nas faixas salariais superiores a dois mínimos representou 5,9% – equivalente a 129 mil empregos a menos nas faixas acima de dois mínimos.

Levantamento realizado pelo Valor, com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que inclui só contratados pelas regras da Consolidação dos Leis do Trabalho (CLT), aponta que a piora no perfil de vagas criadas nos dois períodos de aceleração econômica foi mais drástico na parcela de trabalhadores que recebem entre dois e três salários mínimos. Entre setembro de 2007 e agosto de 2008, o saldo negativo nessa parcela de rendimentos foi quase irrisório, só 983 vagas. Nos 12 meses encerrados em agosto de 2010, o saldo negativo foi de 100,3 mil vagas.

O Ministério do Trabalho contabiliza a geração de vagas em sete escalas. Nas três primeiras – trabalhadores que recebem até um salário mínimo, entre um e 1,5 e entre 1,5 e dois mínimos – o resultado foi amplamente positivo nos dois períodos. Da mesma forma, as três categorias superiores – entre três e cinco mínimos, entre cinco e dez e acima de dez salários mínimos – sempre registraram resultados negativos no saldo entre trabalhadores admitidos e desligados.

Os dois períodos levantados pelo Valor apresentam dinâmicas parecidas de aquecimento econômico e geração de emprego com carteira assinada. Em 2007 e 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou 6,1% e 5,1%, respectivamente. Por se tratar dos 12 meses terminados em agosto de 2008, tanto a geração de vagas quanto o crescimento econômico ainda não tinham sofrido o impacto da crise mundial, ocorrida a partir de setembro daquele ano. A recuperação recente da economia, iniciada no 2º trimestre do ano passado, passou a ter um ritmo mais acelerado no último trimestre de 2009, quando o PIB cresceu, em termos anualizados, a taxas de dois dígitos. Neste ano, a elevação do PIB será a maior em 24 anos – cerca de 7,5%.

“O fato de o saldo de geração de vagas estar mais concentrado nas faixas inferiores de rendimento não desmerece o importante avanço da economia e da formalização do emprego”, diz João Saboia, professor do Instituto de Economia da UFRJ e especialista em mercado de trabalho. “E não quer dizer que as pessoas que foram contratadas a partir do fim de 2009 estão ganhando menos, porque é preciso lembrar que o salário mínimo aumentou muito”, avalia.

Como os cálculos do ministério se baseiam em faixas do salário mínimo, e como esse subiu 18,6%, em termos nominais, de agosto de 2008 a agosto de 2010, a leitura dos dados precisa levar em conta o valor dos salários. Um trabalhador que recebia dois salários mínimos em 2008, contava com um contracheque de R$ 830. Já uma pessoa que teve sua carteira assinada em 2010 com dois salários mínimos embolsa R$ 1.020.

“Um trabalhador que recebia R$ 1 mil por mês em 2008 estava enquadrado na faixa de remunerações entre dois e três salários mínimos. Hoje, esse mesmo trabalhador foi rebaixado de faixa, e está inserido na faixa entre 1,5 e dois salários mínimos”, diz Sergio Mendonça, supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Para Mendonça, além do efeito “estatístico” do salário mínimo em elevação, há também o fenômeno decorrente do modelo de crescimento brasileiro.

“O crescimento ocorre puxado por setores como construção civil e serviços, onde o nível de instrução é menor e, por consequência, os salários são inferiores aos de segmentos como indústria e administração pública, onde são muito mais altos”, diz Mendonça. As três esferas de governo, no entanto, contratam principalmente por meio de concursos públicos – dispositivo que exclui o emprego formal. No Caged, o saldo de empregos gerados na administração pública em igual período, entre março e setembro deste ano, foi de apenas 10,3 mil.

O salário mínimo era de R$ 380 até março de 2008, quando foi reajustado para R$ 415. Em fevereiro do ano passado, passou a R$ 465 e, em janeiro deste ano, atingiu R$ 510. As centrais sindicais já negociam com o governo e com a equipe de transição da presidente eleita Dilma Rousseff uma elevação do mínimo a R$ 575 em janeiro do ano que vem.

Segundo o Valor apurou, as conversas estão “avançadas” e o governo “está convergindo na ideia de corrigir o mínimo além da inflação”, segundo um líder sindical que participa das reuniões. Hoje, as seis maiores centrais se reúnem com o relator do orçamento, senador Gim Argello (PTB-DF), para negociar um valor superior aos R$ 540 previstos.

“Conforme o salário mínimo vai sendo corrigido acima da inflação, a tendência é que o grupo de trabalhadores que recebem até dois mínimos engrosse. E isso não é algo ruim, porque essas pessoas já estarão ganhando quase R$ 1,2 mil por mês e com todos os benefícios da carteira assinada”, diz Saboia.