EDUCAÇÃO: Para especialistas, queda de 46% em 1 ano no total de matrículas em jornada ampliada do fundamental é consequência da descontinuidade de programas com esse foco e da crise; houve recuo também na rede privada. MEC culpa gestão anterior
Isabella Palhares
O número de matrículas para o período integral no ensino fundamental (do 1.º ao 9.º ano) caiu 46% no ano passado. De acordo com os dados do Censo Escolar, divulgados nesta quinta-feira, 16, em 2015 eram 4,6 milhões de alunos matriculados na modalidade. Em 2016, o número ficou em 2,4 milhões. A queda é puxada, principalmente, pela rede pública de ensino, mas também houve recuo de 18,9% na particular.
O aumento das vagas em tempo integral é uma das apostas do governo federal para melhorar a educação no País. O Plano Nacional da Educação (PNE) prevê que, até 2024, 25% das matrículas e 50% das escolas da rede pública ofertem essa modalidade. Em 2015, 19,4% das matrículas das escolas públicas no fundamental eram no período integral – o porcentual caiu para 10,5% no ano passado. E foi ainda menor nos anos finais (do 6.º ao 9.º ano), com 7,7%.
Para especialistas, a queda registrada é consequência da descontinuidade de programas que impulsionavam essa oferta e da crise financeira. O Mais Educação, principal programa do Ministério da Educação (MEC) para fomentar o tempo integral com prioridade para o ensino fundamental, acabou paralisado em 2015. Ele foi criado em 2007 para distribuir dinheiro para que Estados e municípios pudessem ampliar a jornada escolar para pelo menos 7 horas. Desde 2014, sofria com atrasos nos repasses e foi alvo de críticas por não promover melhoria no desempenho em Matemática e Língua Portuguesa nem fazer cair a evasão.
“A crise econômica afetou, mas mais determinante foi a crise política que culminou no abandono de programas. É uma tradição brasileira: acabar com projetos de outros governos”, disse Ângela Maria Martins, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas.
Médio. Na contramão do ensino fundamental, houve expansão de 8,8% nas matrículas em tempo integral no ensino médio na rede pública e de 5,6%, na particular. Para Carlos Eduardo Chagas, consultor da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), os Estados conseguiram dar prioridade aos investimentos no ensino médio, com aumento de vagas no período integral, por ofertarem menos lugares nos anos finais do fundamental.
“Está ocorrendo com maior intensidade uma municipalização dessa etapa do fundamental, o que provoca um desequilíbrio financeiro nas prefeituras, que consequentemente não conseguem mais garantir a oferta de tempo integral. Por outro lado, os Estados têm mais capacidade para investir no ensino médio. O efeito é ruim, porque não adianta só pensar na etapa final”, afirmou.
Em nota, o MEC informou que o Mais Educação foi paralisado nos anos de 2015 e 2016, na gestão Dilma Rousseff, quando não foram previstos recursos no orçamento. O ministério disse que o programa vai retornar, sem informar o valor previsto de investimento e o número de escolas atendidas.
Procurado, o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante (PT) falou em “desmontes e retrocessos” da gestão atual. E destacou “a evolução contínua do número de estudantes em tempo integral” durante a administração petista.
DUAS PERGUNTAS PARA
Priscila Cruz, presidente do Todos Pela Educação
- A que podemos atribuir a queda de matrículas em tempo integral no ensino fundamental?
São três pontos que atuam em conjunto. O primeiro foi a descontinuidade do programa Mais Educação, que dava apoio para Estados e municípios. O segundo é a própria crise, porque os gestores cortam o que acham ser excedente – e a educação integral ainda, infelizmente, é vista dessa forma. E a terceira é que o orçamento da educação não cresceu em termos reais e houve prioridade de investimentos para o ensino médio, que está em ênfase.
- Qual a importância do tempo integral?
É superimportante, porque hoje o aluno fica pouquíssimo na escola e menos ainda em sala de aula. Mas eu acredito mais em um modelo que amplie a carga horária para todos os alunos, não apenas para alguns. Ou, se for para crescer cirurgicamente, que sejam priorizadas as escolas em locais de alta vulnerabilidade, com alto índice de violência ou de pobreza.