Abertura comercial indica o rumo da produção.
Luciano Nakabashi, Armando Vaz e Rafael de Pauli Está ocorrendo uma elevação na demanda por trabalhadores qualificados em todas as partes do mundo Uma das fontes de mudança estrutural em uma economia é a alteração na sua posição competitiva no comércio internacional. Esta, por sua vez, pode surgir por meio de um processo de abertura comercial e financeira, como ocorreu em países desenvolvidos a partir de meados da década de 1980, e em países em desenvolvimento, a partir da década de 1990. Pesquisadores como Edward Leamer e Adrian Wood defendem a tese de que a abertura comercial entre países desenvolvidos e em desenvolvimento teria sido a principal causa do aumento das desigualdades salariais nos EUA e do aumento do desemprego na Europa e Japão. Esses autores, com base no teorema de Heckscher-Ohlin (H-O), argumentam que os trabalhadores menos qualificados foram os principais, senão os únicos, prejudicados com as quedas de barreiras de importações tarifárias ou não tarifárias de produtos oriundos de países como China e Índia. Esse teorema estabelece que a abertura comercial leva um país a se especializar na produção do bem cuja fabricação é intensiva em um fator de produção que possui em abundância. Essa especialização levaria ao deslocamento da produção, aumentando a demanda pelo fator abundante em detrimento do fator escasso. Desse modo, considerando como fatores de produção o trabalho qualificado e o não qualificado, a abertura comercial em países desenvolvidos, abundantes em trabalhadores qualificados, aumentaria a demanda relativa por estes. Já no caso de países em desenvolvimento que, em geral, possuem abundância relativa de mão de obra não qualificada, a demanda por esse tipo de trabalhador aumentaria relativamente. Como um corolário, o processo de abertura comercial deveria elevar a desigualdade salarial nos países desenvolvidos, tendo um efeito oposto naqueles em desenvolvimento. Contudo, estudos empíricos constatam que o hiato salarial entre os trabalhadores qualificados e não qualificados tem aumentado tanto em economias desenvolvidas quanto em economias em desenvolvimento. Depreende-se de tais estudos que está ocorrendo uma elevação na demanda relativa por trabalhadores qualificados nos dois grupos de países. Portanto, o teorema de H-O é insuficiente para explicar os movimentos dos mercados de trabalho pelo mundo. A hipótese do viés de habilidade da demanda por trabalho entra em cena a partir disso. A hipótese do viés de habilidade pressupõe que a abertura comercial, ao possibilitar uma maior difusão tecnológica entre as economias, facilita (barateia) a incorporação de métodos mais eficientes de produção nas firmas, inclusive em países em desenvolvimento. Esses novos métodos, por sua vez, demandam mão de obra mais qualificada. Por outro lado, a maior concorrência externa forçaria as firmas a reagirem com maior eficiência produtiva, mais qualidade e maior diferenciação do produto, reforçando ainda mais a demanda por qualificação. Em geral, estudos empíricos associam essa hipótese à implementação da informática e da microeletrônica nas rotinas de trabalho. Apesar de as duas teorias não serem excludentes, elas apontam para o mesmo sentido no caso de países desenvolvidos (aumento na demanda relativa dos trabalhadores mais qualificados), enquanto os efeitos destacados por ambas agem em direção oposta quando se considera o grupo de países em desenvolvimento. Utilizando a análise de decomposição para avaliar salário e escolaridade dos trabalhadores da indústria de transformação brasileira, entre 1994 e 2008, para testar qual das duas hipóteses destacadas acima se ajusta melhor aos dados, e considerando que o Brasil é um país, em média, abundante em mão de obra pouco qualificada, encontramos resultados que indicam que a hipótese do viés de habilidade seria adequada para explicar os movimentos da demanda por qualificação apenas no caso em que consideramos exclusivamente os trabalhadores com nível superior completo. Entretanto, mesmo nesse caso, a contribuição desse fator para explicar o comportamento do nível de escolaridade dos trabalhadores foi pequena. Com relação aos fatores estruturais, os resultados foram condizentes com as predições do teorema H-O para uma economia com abundância em trabalhadores pouco qualificados. Ou seja, as mudanças estruturais ocorridas na economia – perdas e ganhos de participação dos diferentes segmentos – têm ocorrido no sentido de reduzir a escolaridade média dos trabalhadores da indústria de transformação. Aqueles segmentos e empresas que empregam mão de obra qualificada em maior proporção foram justamente os que perderam participação. No entanto, os efeitos destacados por esse teorema não são os mais relevantes para explicar as mudanças ocorridas na escolaridade da mão de obra da indústria de transformação, no período de análise. O fator mais relevante está associado à oferta de qualificação. Esses resultados indicam, em primeiro lugar, que os aumentos da escolaridade média dos trabalhadores brasileiros têm respondido, em maior medida, à expansão da oferta de ensino no país devido a programas governamentais. Em segundo lugar, as mudanças estruturais ocorridas, principalmente na década de 1990, não têm agido de modo a aumentar a demanda por esse contingente crescente de trabalhadores com maior qualificação. Por fim, os aumentos de produtividade observados na década de 1990 não foram acompanhados por aumentos significativos na demanda de trabalhadores qualificados nos serviços e na indústria de transformação. Concluindo, os resultados mostram que o crescimento na demanda por trabalhadores com maior qualificação se concentra naquele grupo com ensino superior completo, mas que esse aumento é fraco. O aumento de qualificação se deve, em grande medida, a um processo de substituição de trabalhadores pouco escolarizados pelo crescente contingente de trabalhadores com ensino médio completo sem impactos significativos na produtividade do trabalho, como pode ser verificado pela estagnação, ou mesmo queda, dos salários reais controlados pelo nível de escolaridade. Depreende-se, a partir disso, que o processo de elevação do nível de escolaridade dos trabalhadores não tem ocorrido de maneira a impulsionar o dinamismo produtivo, as inovações, a qualidade e a competitividade da economia brasileira. Luciano Nakabashi é doutor em Economia pelo Cedeplar/UFMG e professor do Departamento de Economia. luciano.nakabashi@gmail.com Armando Vaz Sampaio é doutor em Economia pela Esalq/USP e professor do Departamento de Economia da UFPR. avsampaio@ufpr.br. Rafael Camargo de Pauli é mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR. rafaelcdp@gmail.com. |