Empresas que, em decorrência da crise e para evitar demissões, cortaram horas extras que eram cumpridas habitualmente por funcionários há pelo menos um ano podem ser obrigadas a indenizar esses empregados, apesar de acordos fechados com os sindicatos de trabalhadores. A Seção de Dissídios Individuais 1 (SDI1), do Tribunal Superior do Trabalho responsável por uniformizar a jurisprudência no TST , anulou cláusula de convenção coletiva que isentava uma companhia desse pagamento. Advogados criticam a decisão e defendem que deveria ser respeitado o que foi negociado em acordo.
As empresas que reduziram jornada de trabalho, em decorrência da crise econômica, e liberaram funcionários de cumprir horas extras são obrigadas a pagar indenização, mesmo que exista acordo com sindicatos de trabalhadores. A Seção de Dissídios Individuais 1 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) – responsável por uniformizar o entendimento da Justiça trabalhista anulou cláusula em convenção coletiva que isentava uma companhia do pagamento.
A indenização está prevista na Súmula nº 291, do TST. O texto prevê que a retirada parcial ou total das horas suplementares, cumpridas com habitualidade por pelo menos um ano, dá direito a indenização ao empregado. O valor da indenização corresponde a um mês das horas suprimidas para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal.
O cálculo, segundo a súmula, levará em consideração a média das horas suplementares no último ano multiplicada pelo valor da hora extra do dia da supressão. Os valores envolvidos são significativos a depender do número de funcionários e do tempo que cumprem as horas extras.
Advogados da área criticam a decisão e defendem que deveria ser mantido o que foi estabelecido no acordo entre a empresa e os funcionários.
O caso julgado pelo TST envolve um ex-trabalhador que propôs ação contra a Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba). A empresa, segundo o processo, reduziu em 2009 de seis para duas as horas extras diárias. O trabalhador tinha jornada por turnos ininterruptos de revezamento na qual empregados se revezam nos horários diurno e noturno, sem que a atividade seja paralisada. O corte foi estabelecido em convenção coletiva, que também isentava a empresa de pagar multa pela supressão.
A Codeba recorreu ao TST de condenação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Bahia. A empresa alegou que a indenização prevista na súmula do TST somente seria devida se a decisão de reduzir as horas fosse unilateral. E, por isso, ocorrendo a anuência do empregado ou norma coletiva, não haveria razão para a penalidade.
A 8ª Turma do TST entendeu que a empresa não tinha razão em sua argumentação. Para os ministros, portanto, seria o caso de aplicar a súmula. Eles mantiveram decisão do TRT de que a diminuição das horas extras desencadeou prejuízo econômico ao funcionário, o que justificaria o pagamento de indenização.
A empresa então recorreu à SDI1 do TST e a maioria dos ministros negou provimento ao recurso. Segundo a ementa do julgado, a Constituição Federal, ao reconhecer as convenções e acordos coletivos, autoriza a negociação de direitos disponíveis do empregado.
O texto diz que “a indenização pela supressão ou redução das horas extras, prevista na Súmula nº 291 do TST, no entanto, não está sujeita à negociação coletiva, pois é de direito relacionado às normas que visam amparar a saúde do empregado e reprimir a prestação indiscriminada de labor extraordinário, além de preservar o equilíbrio financeiro do trabalhador submetido a tal regime”.
O acórdão ainda não foi publicado na íntegra. Foram vencidos os ministros Ives Gandra Martins Filho, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Walmir Oliveira da Costa e Alexandre de Souza Agra Belmonte.
Para a advogada Juliana Bracks Duarte, do Bracks Advogados Associados, “é um absurdo desprestigiar uma cláusula dessas, já que não se está transigindo sobre saúde e segurança. Ao contrário, está reduzindo-se a jornada diária, deixando o trabalhador por mais tempo com a família”.
Segundo Juliana, não haveria problema com a cláusula considerada nula pelo TST, pois o sindicato dos trabalhadores aceitou essa mudança, de certa forma benéfica por diminuir tempo de trabalho, e abriu mão da indenização. “Já negociamos esse tema várias vezes em acordos coletivos. Se o sindicato pode reduzir salários, então por que não pode abrir mão da indenização?” Em um caso assessorado por ela, a companhia foi condenada a pagar R$ 38 mil somente a um trabalhador.
O advogado Antonio Carlos Aguiar, sócio do Peixoto & Cury Advogados, afirma que a indenização nesses casos não está prevista em lei, mas em uma construção jurisprudencial que resultou na súmula do TST.
“Os ministros têm entendido que o trabalhador acabou se acostumando com esse plus no salário e por isso deveria ser indenizado”, afirma. Contudo, segundo Aguiar, deveria ser privilegiado o que foi acordado em convenção coletiva. “Se o sindicato tem previsão constitucional para negociar e isso não foi uma decisão unilateral, não haveria motivo para impor o pagamento dessa multa.”
Além disso, o advogado ressalta que as horas extras são consideradas como salário variável, que pode cessar quando não houver mais necessidade de cumprimento. Apesar de não concordar com o posicionamento do TST, a advogada Juliana Neves Crisostomo, do Luchesi Advogados, afirma que esse tem sido o entendimento majoritário da Corte.
“Apesar disso, algumas empresas optam por correr o risco, já que estão espaldadas pela Constituição, e negociar o não pagamento da indenização em convenção coletiva. Até porque nem todos os casos chegam ao TST”, diz.