Valor Econômico
Sergio Leo
De Brasília
A política de aumento de conteúdo nacional em setores como a produção de autopeças terá medidas para estimular a criação de bases de exportação no Brasil e na Argentina, informou ao Valor o assessor internacional da presidente Dilma Rousseff, Marco Aurélio Garcia. Segundo Garcia, o governo brasileiro apoia a criação de um fundo para financiar fábricas no país vizinho e, para isso, Dilma decidiu apressar o envio, ao Congresso, do acordo que cria o Banco do Sul, com países do continente.
“Um dos efeitos da crise é uma desova muito grande de produtos industriais de países desenvolvidos nos mercados de países emergentes, na Argentina e no Brasil”, disse Garcia, ao informar que Dilma, preocupada com os efeitos da iminente recessão mundial, quer manter relacionamento estreito com a Argentina para a atuação dos dois países no G-20, o grupo das economias mais influentes do mundo.
Em janeiro, começam a trabalhar dois grupos bilaterais, um dedicado a solucionar os atritos no comércio entre os dois países, e o outro com a tarefa de encontrar mecanismos para a “integração produtiva”, em setores como aeronáutico, defesa, naval e energia, além do automotivo. O “volumoso” déficit no comércio de autopeças com o resto do mundo vai levar a uma política comum, de exigência de maior produção nacional e regional para o setor, disse Garcia.
“Queremos reduzir esse déficit em duas direções: diminuir as importações e, também, fazer com que os setores de autopeças entrem no circuito internacional de produção automobilística”, afirmou o assessor. “Já existem alguns exemplos de fábricas aqui na região, que exportam peças.”
A política de aumento do conteúdo nacional ou regional na fabricação de mercadorias é uma resposta também às queixas de “reprimarização” da pauta de exportação brasileira, disse Garcia. Ele ressalva que o governo vê aspectos positivos na exportação de produtos básicos, como os agrícolas, por acreditar que eles têm incorporado tenologia em sua produção.
Na impossibilidade de usar o BNDES para financiar investimentos de empresas estrangeiras fora do Brasil, o governo brasileiro se comprometeu com os argentinos em acelerar o início de funcionamento do Banco do Sul, uma instituição criada por inspiração da Venezuela, que terá capital em torno de US$ 7 bilhões, dos quais entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões poderão ser integralizados pelo Brasil.
“Pensamos em criar no Banco do Sul uma espécie de fundo especial para ajudar a Argentina nessas questões”, disse Garcia, que prefere não dar detalhes, por envolverem “tecnicalidades”. Segundo ele, Dilma decidiu acelerar a aprovação do banco pelo Congresso.
“Vamos mandar imediatamente o acordo de criação do Banco do Sul ao Congresso e fazer com que se possa votar o mais rápido possível o assunto”, afirmou Garcia. O acordo foi aprovado pelos Congressos de Venezuela, Bolívia, Equador e Argentina – o Congresso argentino aprovou o acordo em setembro, por unanimidade. Falta apenas a aprovação de mais um dos países do continente para que o banco ganhe existência legal, e, na avaliação do governo, seria politicamente inconveniente para o Brasil aprovar o banco depois do início dos trabalhos da instituição.
Os argentinos se queixam de que linhas de financiamento, como o Finame, do BNDES, dão vantagens para as companhias brasileiras no continente. Está fora de questão, até por motivos legais, estender o Finame aos vizinhos, mas o fundo no Banco do Sul poderá reduzir o desconforto na Argentina, acredita o assessor do Planalto.
Garcia espera que haja redução dos atritos na fronteira, onde a Argentina tem retido a licença de importação de carregamentos de máquinas agrícolas, alimentos e calçados por períodos bem superiores aos 60 dias autorizados pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Um grupo para discutir o tema também começará a se reunir em janeiro – o que indica que, até lá, não haverá mudanças significativas no trânsito bilateral de mercadorias
“Temos um comércio fortemente superavitário com a Argentina o que preocupa a eles e a nós também”, argumentou o assessor, que tem sido interlocutor ativo com os governos vizinhos. Ele reconhece que parte das dificuldades comerciais da Argentina é fruto de políticas econômicas adotadas pelo próprio país. “Sabemos que uma das razões do superávit, que se dá em grande medida em produtos de maior valor agregado, são as transformações pelas quais a Argentina passou em décadas de políticas liberais, só revertidas nos governos Kirchner”, disse Garcia.
A partir de 2015, o investimento de quase US$ 6 bilhões da Vale na produção de fertilizantes em Mendoza, na Argentina, deverá gerar exportações anuais de US$ 1 bilhão daquele país ao Brasil. “O Brasil está investindo pesadamente na Argentina”, afirmou o assessor internacional da Presidência.