Flavia Lima | De São Paulo
Estudo obtido com exclusividade pelo Valor aquece a discussão sobre a necessidade de se desvincular o salário mínimo dos benefícios da Previdência Social como uma forma de controlar os crescentes gastos públicos.
Rodolfo Hoffmann, professor aposentado da Esalq-USP e também do Instituto de Economia da Unicamp mostra no trabalho “Transferências de Renda e Desigualdade” que o impacto de aposentadorias e pensões atreladas ao valor do salário mínimo sobre a queda da desigualdade de renda no Brasil diminuiu substancialmente nos últimos anos. A contribuição dessa parcela da renda para a redução da desigualdade caiu de 50,3%, no período 1995-2003, para 9,9% no período 2003-2012.
Segundo Hoffmann, para compreender o fenômeno é preciso considerar que o aumento de uma renda só contribui para reduzir a desigualdade se essa renda for baixa. O estudo foi feito com dados retirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012 e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009, com base em metodologia que divide em 11 as parcelas de renda que interferem na evolução da desigualdade no Brasil.
De acordo com dados da PNAD e seguindo um modelo estatístico específico, Hoffmann identifica que o valor a partir do qual uma renda deixa de contribuir para a redução da desigualdade situa-se hoje ao redor de R$ 980 (dados de 2012). Dessa forma, um aumento de renda só contribui para reduzir a desigualdade se beneficiar uma pessoa com renda inferior a R$ 980.
“De 1995 a 2012, o valor real do salário mínimo aumentou de R$ 302,50 para R$ 622. Logo, o aumento de rendas pessoais iguais ao salário mínimo foi se tornando gradativamente menos efetivo como redutor da desigualdade”, explica Hoffmann. Ele ressalta, no entanto, que aumentar o salário mínimo ainda é uma maneira efetiva de reduzir desigualdade, se esse for o único rendimento, por exemplo, de uma família de quatro pessoas.
Segundo Hoffmann, estudioso de assuntos como pobreza, segurança alimentar e desenvolvimento no meio rural, esses números abririam espaço para que as discussões sobre a reforma da Previdência finalmente fossem destravadas.
O pesquisador avança sobre um assunto polêmico, especialmente em ano de eleições, ao afirmar ainda que o momento seria propício para uma reforma da Previdência que incluísse a desvinculação do piso de aposentadorias e pensões e também do valor do Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo.
Para ele, assim como a grande contribuição da Previdência para a redução da desigualdade no período entre 1995 e 2003 esteve bastante associada ao aumento do número e do valor real das aposentadorias e pensões vinculadas ao salário mínimo, a queda dessa contribuição no período subsequente indica, por sua vez, certa perda de fôlego do efeito do crescimento do valor real do mínimo.
Assim, na avaliação de Hoffman, a desvinculação de aposentadorias e pensões do mínimo economizaria receitas mais do que suficientes para reforçar outros mecanismos hoje mais eficientes para reduzir a desigualdade, como o Bolsa Família e a educação básica.
A preocupação com a manutenção de programas como o Bolsa Família encontra justificativa na pesquisa. No estudo, a contribuição à redução da desigualdade do programa Bolsa Família ao longo de todo o período avaliado (1995 e 2012) segue firme e forte.
A contribuição dessa parcela da renda para a redução da desigualdade no país oscilou de 20%, no período 1995-2003, para 19,2%% no período 2003-2012. O percentual, diz Hoffmann, é extraordinário, especialmente ao se considerar que a participação média do programa na renda total declarada é muito baixa, inferior a 1%.
Em 1995, no total de renda declarada na Pnad, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada representavam apenas 0,07%. Em 2003, esse percentual já alcançava 0,65% da renda, chegando a 0,95% em 2012. “O Bolsa Família tem contribuído substancialmente para reduzir a pobreza extrema e seu peso no Orçamento é pequeno. Obviamente deve ser aperfeiçoado, incluindo a preocupação com a criação de portas de saída”, afirma o professor.
Já a contribuição do mercado de trabalho aquecido à redução da desigualdade segue significativa. Segundo o pesquisador, o impacto da renda dos empregados para a redução do índice de Gini se manteve mais ou menos estável no período de 1995 a 2012, contribuindo com 48,4% da queda da desigualdade entre 1995 e 2003 e com 45,1% entre 2003 e 2012.
O autor do estudo não deixa de ressaltar, contudo, as limitações dos dados sobre renda obtidos em pesquisas domiciliares, em especial a tendência de subdeclaração de rendimentos e eventual omissão de parcelas.