Índice de rotatividade fica acima de 60% há 4 anos, apesar do baixo desemprego

Mesmo com a baixa taxa de desemprego no país, a rotatividade do mercado de trabalho está estagnada num patamar acima dos 60% há pelo menos quatro anos. Os dados do Ministério do Trabalho mostram que esse nível é sustentado devido ao alto número de demissões em setores como agricultura e construção civil. Esses dados, por sua vez, levam a uma rotatividade mais alta nas regiões Centro-Oeste e Sul.

O alto número de desligamentos é um problema crônico no Brasil e não tem solução única sem a perda de direitos por parte dos trabalhadores. Esse fator, conjugado aos aumentos reais do salário mínimo e à inflação, levou os gastos com o seguro-desemprego a passarem de R$ 7,2 bilhões em 2004 para R$ 31,9 bilhões em 2013. Já neste ano, o ritmo é um pouco menor, já que no primeiro semestre foram gastos R$ 15,3 bilhões com o benefício.

O caminho, de acordo com especialistas consultados pelo Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, é a adoção de medidas setoriais que abarquem as diferenças entre os diversos ramos. Os números mostram que há muitas diferenças por trás do índice de rotatividade total no Brasil, que foi de 64% em 2012, último ano com taxa anual calculada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Cálculo feito pelo Valor PRO com base na rotatividade mensal divulgada pelo Ministério do Trabalho mostra que em 2013 a taxa ficou em torno de 63,9%.

De acordo com o diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, o instituto já tem um convênio nesse sentido com o Ministério do Trabalho. “Nós vamos segmentar problema da rotatividade em várias dimensões e começar a dar tratamento a ela do ponto de vista especifico”, disse.

Há dois cálculos de rotatividade. A taxa que leva a pedidos de seguro-desemprego (basicamente demissões sem justa causa) é mais baixa. A rotatividade geral, que se encontra acima de 60%, inclui todos os tipos de demissão (até justa causa) e outras causas, como pedidos de aposentadoria.

Em 2012, por exemplo, a rotatividade que leva a pedidos de seguro-desemprego foi de 43,1%, enquanto a apurada na construção civil foi de 87,4%. Isso significa que nove em cada dez pessoas empregadas ao longo daquele ano tinham direito a receber o seguro-desemprego. O outro setor acima da média foi a agricultura, com 65,9%.

Essa rotatividade alta para os dois ramos leva em conta características próprias desses setores. No caso da construção civil, os funcionários têm sua carteira de trabalho atrelada ao CNPJ de uma obra. Quando ela termina, ele é demitido, mesmo que logo em seguida vá trabalhar em outro empreendimento da mesma empresa. Acontece algo parecido na agricultura, onde o trabalho é sazonal e muitas vezes, quando o vínculo é formal, o empregado tem a carteira assinada apenas durante a colheita.

“No caso da construção civil, há uma questão intrínseca do setor, que é a questão das obras. Tem muito contrato feito por obra, então esse é um setor que vai estar sujeito a uma rotatividade mais alta”, disse o diretor-adjunto da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Carlos Henrique Corseuil.

“No agronegócio, a informalidade é muito grande. Hoje como o nível de fiscalização é mais alto, a tendência é que tenha mesmo contratações [com carteira assinada] de curtíssimo prazo”, analisou Ganz Lúcio.

Esse desempenho continuou em 2013 e 2014, de acordo com a taxa de rotatividade mensal calculada pelo Ministério do Trabalho. No ano passado, a taxa média mensal foi de 4,11% para o mercado de trabalho como um todo. Para a construção civil, essa média foi de 6,53%. Já para os postos de trabalho ligados ao campo, a rotatividade média mensal em 2013 foi de 5,2%.

Isso leva a uma distribuição desigual da rotatividade entre as regiões. No ano passado, a média mensal da rotatividade foi de 4,63% para a região Sul, 4,59% para o Centro-Oeste, 4,06% para o Sudeste 3,78% para o Norte e 3,41% para o Nordeste. As duas regiões que estão a frente do levantamento são justamente aquelas que contam com uma grande participação da agricultura em sua produção.

“Aquela rotatividade mais alta, que tem característica regional, como agricultura, tende a puxar o nível nesses lugares. Já a construção tem atividade relativamente bem distribuída”, explicou o diretor-técnico do Dieese.

“O aspecto regional pode confundir muito com o setorial. Alguma região com peso muito grande em agricultura, isso pode estar por trás e não necessariamente alguma coisa com aquele local”, afirmou o diretor do Ipea.

Apesar da análise semelhante, os dois técnicos seguem caminhos distintos quando se trata de apontar soluções para o problema. Ganz Lúcio, do Dieese, prefere uma abordagem mais microscópica, que leva em conta as especificidades de cada segmento para daí partir para soluções específicas.

O objetivo seria “dar segurança para que o desemprego não ocorra. Não caracterizar como desemprego a situação de migrar de uma obra para outra, por exemplo”. Para tanto, “é necessário pensar um sistema mais flexível na hora de incorporar motivos e causas para caracterizar efetivamente o que é demissão que leva ao desemprego e a proteção”, afirma.

Já o pesquisador do Ipea prefere um sistema de intermediação de mão de obra que “alinhe as expectativas”, evitando frustrações por parte do funcionário ou do contratante. “Empregador e empregado têm expectativas, e quando alguma das partes tem essa expectativa frustrada, aí tem separação. As políticas de intermediação de mão de obra podem contribuir nessa questão de assimetria de informação”, disse.

O consenso é que “não tem uma única medida capaz de resolver”, como colocou Ganz Lúcio. “Sem mexer nas regras básicas, não há uma única medida que pega toda essa diversidade e consiga resolver todos os problemas”, acrescentou. Isso envolve inclusive um dispositivo que já esta na Constituição, mas não tem regulamentação, que é o de punir com maiores tributos empresas que tiverem rotatividade maior do que a média do setor.

“Acho particularmente complicado fazer cumprir esse dispositivo. Até conseguir especificar métrica que agrade a todo mundo e seja factível de fiscalizar pode ser um longo debate”, ponderou Corseuil.