Indústria e varejo aprofundam disparidade

Valor Econômico

Por Francine De Lorenzo e Arícia Martins

De São Paulo

O descompasso entre indústria e varejo se aprofundou no último trimestre de 2011, período no qual a produção industrial encolheu 1,4% em relação ao trimestre anterior, descontadas as sazonalidades, enquanto as vendas cresceram 1,15% no segmento ampliado, que inclui veículos e material de construção, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano, a divergência é mais evidente: com desempenho sofrível, a indústria encerrou 2011 com alta de apenas 0,3% sobre o ano anterior, ao passo que o comércio avançou 6,6% no período. Os dois segmentos vêm de crescimento superior a 10% em 2010.

Para economistas, o distanciamento entre oferta e demanda doméstica que marcou 2011 é explicado principalmente pela maior parcela de importados que entrou no mercado brasileiro, facilitada pelo câmbio valorizado que barateia compras externas e dificulta exportações. O desemprego historicamente baixo – de 6% na média do ano – e ganhos sucessivos de renda também contribuiram para que o consumo continuasse avançando a um ritmo razoável, enquanto a indústria sofreu com questões particulares a ela, desnudadas pelo dólar barato e pela perda de ritmo da atividade.

  

 

 

 

 

 

Para 2012, a expectativa geral é que a divergência entre os dois setores diminua, mas siga acentuada, já que a indústria deve apresentar recuperação modesta e o aumento do mínimo, aliado à queda da taxa de juros, deve dar novo fôlego ao varejo.

“A competição com a China fez com que a indústria sofresse muito mais do que o varejo”, afirma o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, para quem o acúmulo de estoques não está por trás do rápido processo de estagnação pelo qual a produção passou em 2011. “Há dois anos se comenta que a indústria vai reduzir seus estoques. Essa questão precisa ser colocada de lado. A indústria sofre de falta de competitividade muito mais grave e profunda”, opina.

Vale ressalva, no entanto, que o comércio não ficou totalmente imune à piora do ambiente externo e ao crescimento mais modesto da economia brasileira em 2011, já que a redução do emprego na indústria atenuou o poder de fogo de parte dos consumidores, assim como a desconfiança gerada pela crise externa.

Para Fabio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores, o menor ritmo de contratações pela indústria deve impactar o comércio no início do ano, quando as vendas sofrerão um “resfriamento adicional”, que não será tão intenso como o verificado nas fábricas. “A remuneração na indústria, que tem vasos comunicantes com o resto da economia, vai perder força. As pessoas demitidas pelo setor industrial vão consumir menos e os prestadores de serviços à indústria também devem perder poder de compra”, prevê o analista, que espera expansão de 5,5% nas vendas do comércio restrito em 2012, com crescimento mais forte a partir do segundo semestre, e aumento de apenas 1,3% na produção.

Os mesmos fatores que provocaram a discrepância entre indústria e varejo em 2011 devem permanecer neste ano, sustenta Felipe França, economista do Banco ABC Brasil. “Por mais que o governo tente estimular a competição, as questões externas têm muita influência na atividade industrial”, ressalta, referindo-se ao Programa Brasil Maior, que desonerou a folha de pagamentos dos setores têxtil e de calçados e instituiu o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra), e à redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para linha branca. Para França, uma melhora expressiva da indústria só acontecerá se houver recuperação consistente da economia mundial.

  

 

 

 

 

 

“Se nada de mais grave acontecer na Europa”, pondera Vale, da MB, as vendas do varejo restrito devem crescer 8,5% neste ano, ao passo que a produção, na melhor das hipóteses, terá alta de 2,5% frente a 2011.

Claudio Felizoni, professor da FEA-USP e coordenador do Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração (Provar – FIA), acredita que o descompasso entre oferta e demanda pode diminuir ao longo do ano na esteira de medidas adicionais que o governo deve adotar para estimular a produção industrial, ao mesmo tempo em que o consumo deverá ser contido devido ao endividamento das famílias e aos altos juros. “O segmento que mais vai sofrer será exatamente o de bens duráveis, que cresceu muito nos últimos cinco anos”, diz Felizoni, acrescentando que setores suscetíveis à variação de renda, como o de supermercados, devem ter resultado melhor.

Essa não é a visão de França, do ABC Brasil, que vê grande espaço para o aumento nas vendas de móveis e eletrodomésticos diante da redução da inadimplência e da queda dos juros.

No último mês de 2011, a redução do IPI para eletrodomésticos e uma recuperação no segmento de veículos ajudaram o varejo ampliado, quando o setor apresentou aumento de 1,6% no volume de vendas na comparação com novembro. Sete dos dez setores pesquisados pelo IBGE tiveram resultado positivo na passagem de novembro para dezembro.