Por André Borges e Daniel Rittner | De Brasília
Dois meses atrás, o empresário Jandir José Milan deu início à modernização de sua fábrica de móveis em Cuiabá (MT), com um plano de investimento de R$ 28 milhões. O primeiro passo foi a chegada de uma máquina para automatizar a produção de cadeiras e mesas escolares. Hoje ele confecciona mil peças por dia. O “robô” de última geração, importado da Itália ao custo de R$ 700 mil, seria um dos nove equipamentos que prometiam triplicar essa capacidade. Agora, no entanto, o plano está ameaçado.
Ao tirar seu robô da caixa, Milan descobriu que a engenhoca está fora dos padrões de segurança do trabalho. Quando relatou os problemas à fabricante, os italianos ficaram chocados. “Eles são fabricantes tradicionais e me disseram que nunca tinham vivido uma situação assim no mundo”, desabafa o empresário, que também dirige a Federação das Indústrias do Mato Grosso (Fiemt).
O impasse resultou no cancelamento de outros oito robôs que seriam embarcados para o Brasil. Sem alternativa, Milan procurou fornecedores nacionais. Acabou fechando negócio, mas por um preço até 30% mais caro que o dos europeus. “Parece uma reserva de mercado, que nos remete à era da Lei de Informática”, lamenta Milan, cogitando um possível caráter protecionista do termo que se tornou um verdadeiro palavrão no Encontro Nacional da Indústria (Enai), realizado nesta semana, em Brasília: a NR 12.
Esse é o codinome de uma norma trabalhista que colocou indústria e governo em rota de colisão. A norma regulamentadora nº 12, editada pelo Ministério do Trabalho, muda radicalmente as exigências de segurança no manuseio de máquinas e equipamentos de todos os segmentos da indústria. Seu objetivo é proteger o trabalhador, alinhando os padrões de segurança do país aos modelos praticados pelos europeus, mas, segundo os empresários, ela criou uma camisa de força para a indústria.
A indústria reclama que a norma dá margem a interpretações subjetivas e cria um ambiente de insegurança jurídica, além de elevados custos de adaptação às novas regras. O custo “inicial” dos ajustes pode chegar à estratosférica conta de R$ 100 bilhões, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que se mobiliza pesadamente para reverter os efeitos da NR 12.
“Essa norma é um absurdo”, diz o presidente da CNI, Robson Andrade, que cita o nível de detalhamento das exigências impostas por essa mudança. A portaria que tratava do assunto especificava menos de 50 itens que deveriam ser cumpridos pelas empresas. Esse número passou para mais de 340 determinações. Além disso, as medidas não se restringem à aquisição de novos maquinários. Todo o parque já instalado também tem a obrigação de se adequar às novas regras. “É simplesmente inviável. Isso precisa ser revisto urgentemente”, comenta Andrade, que diz já ter levado a questão para a presidente Dilma Rousseff.
No papel, a norma está em vigor desde dezembro de 2010, mas só nos últimos meses começou a assustar a indústria. Neste ano, até agosto, a fiscalização do Ministério do Trabalho já bateu um recorde de autuações a quem ainda não se adequou às exigências. Foram mais de 7,2 mil registros, o triplo do verificado em 2011. “Já estão até fechando fábricas”, diz Alexandre Furlan, presidente do conselho de relações do trabalho da CNI. Nos oito primeiros meses deste ano, mais de 6,3 mil itens (máquinas e equipamentos) foram interditados pelos fiscais do governo.
Em meio à forte pressão criada pelos empresários para revisar as regras e adiar os seus efeitos, o ministro do Trabalho, Manoel Dias, se mostra compreensivo com os apelos do setor privado e promete rediscutir a questão. Ele afirmou ao Valor que “vem debatendo o assunto com todos os setores envolvidos para chegar ao melhor consenso” sobre a NR 12. A interlocutores próximos, Dias já admitiu que dá razão às queixas dos empresários.
O grau de exigência da norma chega a sensibilizar até mesmo sindicalistas. “A norma é exigente, mas tem o propósito de proteger o empregador. Se você observar os custos com acidentes de trabalho, vai ver que os gastos são maiores. Há espaço para melhorar a norma, mas ela deve ser aplicada”, afirma João Scabolli, secretário de saúde e segurança do trabalho da Força Sindical.
O próprio sindicalista se diz a favor de uma revisão no texto em vigência. Ele só aponta a necessidade de que tudo seja feito em um diálogo tripartite. “É essencial buscar soluções envolvendo trabalhadores, empregadores e governo.”
O atual texto da NR 12 foi aprovado por uma comissão constituída pelos três lados. A indústria alega, no entanto, que essa formação a prejudicou, porque houve uma aliança entre governo e sindicalistas.
No Congresso, já se discutem soluções mais radicais, como simplesmente sustar a norma que vem sendo aplicada. O deputado Silvio Costa (PSC-PE) apresentou um projeto de decreto legislativo para suspender os efeitos da NR 12. Para ele, a regra trouxe exigências “de difícil compreensão e cumprimento”, prejudicando especialmente pequenas empresas. Costa critica também o fato de não ter havido um tratamento diferenciado às máquinas já instaladas no parque fabril do país, “colocando 100% das empresas nacionais na ilegalidade”.
Segundo Alexandre Furlan, da CNI, o governo brasileiro pode até ter se inspirado em normas europeias, mas acabou criando um sistema mais complexo e rígido do que os pais da ideia. “Estamos sendo mais realistas do que o rei”, afirma o empresário.
Furlan coordena um grupo da confederação que deve finalizar, até o fim da próxima semana, um conjunto de pelo menos cinco propostas (veja quadro acima) para atenuar o peso da norma sobre a iniciativa privada.