Manifestação foi contra desindustrialização, juros e carga tributária elevada. Pelos empregos gerados no exterior, repetem manifestação de 2000
Zulmira Furbino
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Passeata em frente ao Banco Central de Belo Horizonte reuniu capital e trabalho para pressionar o governo a proteger as fábricas do país
Doze anos depois de organizarem passeata contra a pesada carga tributária no Brasil, empresários mineiros e brasileiros voltaram a se manifestar coletivamente nessa quinta-feira em Belo Horizonte, num grito de alerta em defesa da indústria nacional e do emprego, dessa vez com os trabalhadores. Do alto do caminhão de som da Nova Central Sindical de Trabalhadores de Minas Gerais, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Luiz Aubert Neto, empunhou o microfone para se dirigir aos cerca de 400 trabalhadores presentes na manifestação, que ocorreu em frente à sede do Banco Central, no Bairro Santo Agostinho, e se dirigiu ao plenário da Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). “De janeiro a março de 2012, já geramos (o setor de máquinas e equipamentos) mais de 200 mil empregos fora do país, 60% deles na China. São empregos com salários médios de R$ 3.000, com escolaridade média de 9 anos”, denunciou.
Os protestos de empresários e trabalhadores giram em torno da valorização do real frente ao dólar, que rouba competitividade da indústria nacional, da pesada carga tributária do pais – próxima à dos países europeus – e das altas taxas de juros praticadas no Brasil. Segundo Neto, nos últimos 16 anos o país pagou uma quantia superior a US$ 3 trilhões somente em juros da dívida pública. Somente nos dois primeiros meses deste ano, o gasto do governo com juros foi de R$ 250 bilhões, informou o presidente da Abimaq. Ele reconheceu, porém, que a “culpa” por essa situação é dos próprios empresários, que não se uniram antes para pressionar o governo no sentido de proteger a indústria nacional.
Neto revelou que está estimulando as empresas ligadas à Abimaq a trocarem suas contas em bancos privados para o Banco do Brasil, caso essas instituições se recusem a reduzir suas taxas de juros. “Existe portabilidade. A única forma de pressionar os bancos que não querem baixar juros é trocar de conta”, defende. De acordo com ele, a situação da indústria nacional piorou depois da crise econômica de 2008, quando foi iniciada uma guerra entre os países desenvolvidos pelo mercado. “Nosso câmbio valorizou, estamos sendo invadidos”. Ele cita como exemplo o próprio setor que comanda. “As empresas não deixam de existir. O faturamento do nosso setor cresceu 7% nos dois primeiros meses deste ano, mas o índice de utilização da capacidade instalada está em 72%. É o patamar mais baixo desde março de 2009, auge da crise econômica global, quando o uso da capacidade instalada estava em 72%”.
No setor têxtil, abalado pelo câmbio, foram criados 62 mil empregos em 2010, mas o saldo em 2011 ficou negativo em 12 mil novas vagas. “Isso significa que deixamos de gerar 72 mil novos postos de trabalho. Esses empregos que deixamos de criar aqui, foram gerados em sua maior parte na China”, diz Aguilnaldo Diniz Filho, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e da companhia de tecidos Cedro Cachoeira. Na indústria de cerâmica em Minas, o problema é o custo da mão de obra, que subiu de 20% para 40% do faturamento. ”Trabalhamos com um produto de baixo valor agregado, mas os salários subiram muito. E a falta de oferta de mão de obra ajudou nisso”, explica Ralph Luiz Perropato, presidente do Sindicato das Indústrias de Cerâmica do Estado de Minas Gerais.
Ponto crítico Para Flávio Roscoe, presidente do Sindicato das Indústrias Têxteis de Malhas do Estado de Minas Gerais (Sindimalhas) e da Colortêxtil, a indústria de transformação no Brasil resistiu o quanto pôde, mas chegou num ponto em que pode desmoronar rapidamente. “Em momentos de invasão de importados, só há uma coisa boa para a indústria, que é o aumento da produtividade para fazer frente à concorrência”, diz. Depois, segundo ele, vem a perda da margem de lucro, que é boa para o mercado, porque os produtos ficam mais baratos, mas é péssima para as empresas, já que os empresários deixam de investir. Em seguida, vem a reestruturação, com corte de etapas de produção, substituídas por importados. O quarto momento é o de fechamento das plantas. “Quando se chega aí, o processo é muito rápido e contamina os concorrentes nacionais. Quem ganha mercado são os produtos fabricados fora do país.”
Para Olavo Machado, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), empresários e trabalhadores se reuniram ontem porque têm preocupações em comum. “Defendemos o emprego e as indústrias. Se o processo (de estímulo para o setor) que o governo pôs em marcha tiver velocidade, podemos mudar o quadro atual”, acredita. Gilson Reis, presidente do Sindicato dos Professores de Minas Gerais e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, disse que existem pontos em comum com as empresas, mas que não há acordo possível no sentido de flexibilização do trabalho.
Vagas estagnadas Quase que para justificar a preocupação dos empresários, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou ontem que o emprego na indústria ficou praticamente estável na passagem de janeiro para fevereiro, com ligeira alta de 0,1%. O número de horas pagas avançou 1,3% no período, o que poderia sinalizar alguma retomada na produção. No entanto, como houve paralisações nos setores extrativo e de veículos automotores em janeiro, a base de comparação ficou prejudicada, o que inflou o resultado. “A nossa leitura é de um quadro de estabilidade no emprego industrial, que vem acontecendo desde outubro de 2011”, afirmou Rodrigo Lobo, técnico da Coordenação de Indústria do IBGE. O total de postos de trabalho na indústria ainda é 0,7% menor do que o registrado em fevereiro do ano passado. Foi a quinta queda consecutiva nesse tipo de comparação.