Preocupado com o aumento de ações trabalhistas contra a BRF em Lucas do Rio Verde (MT), o presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Mato Grosso, desembargador Edson Bueno, chamou a companhia para uma audiência pública, a ser realizada na terça-feira. A ideia é discutir problemas ocasionados pela grande rotatividade da mão de obra de uma das maiores unidades frigoríficas da empresa, instalada na cidade.
A iniciativa de juízes do trabalho, apesar de incomum, tem ocorrido com mais frequência, principalmente em pequenas cidades que contam com apenas uma vara. Para o presidente do TRT do Mato Grosso, a Justiça Trabalhista “já tem maturidade para ir além das atribuições e tomar uma atitude pró-ativa, de uma Justiça efetivamente social”. A ideia, segundo Bueno, é chegar a uma solução para o problema de forma conjunta, envolvendo a empresa e a sociedade de Lucas do Rio Verde. “Queremos saber como podemos contribuir com a sociedade que nos remunera.”
No caso de Lucas do Rio Verde, o desembargador percebeu um aumento atípico no número de ações trabalhistas na vara da cidade. Em 2013, foram 2.270 processos, 67% a mais do que no ano anterior, segundo dados do TRT. E desse total, 70% foram contra a empresa, o que sobrecarregou o juiz do município com 53 mil habitantes.
Ao avaliar a situação, o desembargador verificou que muitos trabalhadores eram contratados de outras cidades, principalmente de Estados do Norte e Nordeste, e que não cumpriam o contrato de trabalho de um ano. Parte deles ingressou na Justiça com pedido de rescisão indireta com a alegação de que a companhia não teria cumprido o que acertou nos contratos. Para o juiz, porém, a situação tem que ser vista com cuidado. “Às vezes, o trabalhador força dispensa apenas para receber seguro desemprego”, diz Bueno.
Outro fator que agrava o problema social na região, segundo o presidente do TRT, é que muitos trabalhadores desempregados não têm voltado para a sua cidade e isso tem aumentado a demanda por serviços públicos e a criminalidade. “Já estive em reunião com altos executivos da BRF e a empresa quer tentar solucionar o problema”, afirma Bueno. Na audiência também estarão presentes o prefeito de Lucas do Rio Verde, Otaviano Pivetta, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Estadual, sindicatos e associações e a Ordem dos Advogados do Brasil.
Segundo Bueno, essa é a primeira vez que o TRT chama uma empresa específica para conversar. Porém, o desembargador deve analisar a situação de outras regiões que abrangem o TRT para ver se seria o caso de tomar a mesma iniciativa. Entre elas, a região de Sinope, com predomínio do setor madeireiro, e Tangará da Serra, onde o setor sucroalcoleiro tem forte atuação. ” A ideia é chegar onde o povo está”, diz.
A assessoria de Comunicação Corporativa da BRF informou, por nota, que “como convidada do TRT de Mato Grosso, a BRF vai participar da audiência pública”. A companhia ainda esclareceu que “apoia a iniciativa TRT no sentido de encontrar soluções para as questões levantadas pelo presidente do órgão, desembargador Edson Bueno”.
Segundo a advogada trabalhista Juliana Bracks, do Bracks & von Gyldenfeldt Advogados Associados, iniciativas como essa são benéficas para a sociedade. “É o Judiciário saindo do gabinete, indo conhecer de perto a realidade empresarial, propondo soluções”, diz. Para a advogada, a empresa, por meio dessa relação de cordialidade com a Justiça do Trabalho, pode entender o que tem gerado essas ações e evitar novos processos. “É a prevenção em nível coletivo.”
A prática, no entanto, tem sido mais comum em comarcas com apenas uma vara, segundo advogada. “Nesses casos o juiz já conhece a empresa, as demandas, os principais pedidos, as testemunhas e todo o contexto envolvido”, diz. Juliana afirma ter atuado em um caso em 2002, como advogada da Alstom, que arrendou parte da antiga indústria de automóveis Santa Matilde. Na época, o juiz da comarca de Três Rios, no interior do Rio de Janeiro, chamou as empresas para delimitar as responsabilidades nos processos trabalhistas contra a Santa Matilde.
Porém, Juliana ressalta que há riscos nessa atuação mais ativa do juiz. Isso porque ele pode se basear em uma declaração de um processo antigo, que nem sempre condiz com a realidade, e aplicar isso em outros processos, por exemplo.
O TRT de Manaus também tem investido nessa postura mais atuante. O presidente do tribunal, desembargador David Alves de Mello Júnior, chamou a empresa especializada em produção de rádios e auto-falantes H Buster para discutir a situação da companhia e de 400 funcionários que estavam sem receber salário desde outubro. A ideia era reunir todas as partes de um processo que impedia a abertura de 256 contêineres com materiais importados pela empresa há quase um ano, aprendidos pela Receita Federal. Segundo a companhia, que está em recuperação judicial, isso permitiria o pagamento de dívidas trabalhistas e outros credores. Na ocasião, todos foram ouvidos, mas não houve um acordo. Nenhum representante da H Buster foi localizada para comentar o assunto.
Segundo o advogado trabalhista Fernando Cassar, do Cassar Advocacia, as audiências não são comuns em grandes tribunais. Em geral, porém, esse tipo de iniciativa é usado para encontrar alternativas para empresas em crise.