CLAUDIA ROLLI E FABÍOLA SALAN
A lei que entra em vigor nesta semana e prevê multa em dobro para quem não registrar em carteira um empregado doméstico será de difícil fiscalização e deixa lacunas que exigem regras extras para ser aplicada.
Até a última sexta-feira, o Ministério do Trabalho não havia definido ainda as normas para regular a lei nº 12.964, que foi sancionada em abril e não faz parte da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) das domésticas aprovada no ano passado.
O órgão admite que as regras podem ficar prontas só após a próxima sexta-feira, dia 8, quando diz que ela entra em vigor.
Como pela Constituição o domicílio é inviolável, impedindo que a fiscalização vá à casa do empregador, a ação terá de ser indireta.
“Essa parte da fiscalização é uma lacuna difícil de ser coberta na área doméstica, mas necessária”, reconhece a autora da lei, a ex-senadora Serys Slhessarenko (PTB-MT). Filiada ao PT quando propôs a lei, ela admite não ter pensado nisso ao criar a multa.
“A fiscalização será indireta. Será necessário fazer uma denúncia ao Ministério do Trabalho”, explica Roberto Leão, coordenador geral de recursos do ministério.
Entre os próprios fiscais do Trabalho, a legislação também causa mal-estar, segundo a Folha apurou. Um dos aspectos apontados é a falta de pessoal para checar os milhares de denúncias que podem surgir. O outro, como viabilizar a fiscalização.
A preocupação faz sentido quando se observa que, dos 6,4 milhões de trabalhadores domésticos do Brasil, 4,5 milhões não tinham carteira assinada, segundo os dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio) de 2012, do IBGE.
VALORES
Esse é só o primeiro dos entraves. O texto da legislação prevê ainda que o valor da multa será elevado em “pelo menos” 100% ao previsto em caso de não registro de um trabalhador que não seja doméstico. Não especifica, entretanto, quando o percentual de 100% será aplicado ou em que ocasiões deverá ser elevado.
A seguir, a lei fala que o patrão que registrar seu funcionário voluntariamente, reconhecendo o tempo de serviço e pagando as devidas contribuições previdenciárias retroativas, poderá ter esse percentual reduzido.
E como definir o que será o registro “voluntário”, se, para ser autuado, o empregador terá sido denunciado por ter cometido a infração?
“É um dos pontos em estudo”, afirma Leão. Segundo ele, o valor mínimo da multa a quem infringir essa lei será de R$ 805,06 -o dobro dos R$ 402,53 aplicados a qualquer outro empregador que não registre seu funcionário. “Pode, porém, ser reduzido no caso que está em estudo.”
Segundo a advogada Daniela Ferreira da Silva, do sindicato que representa a categoria doméstica em 27 cidades paulistas, os valores da multa, em discussões ainda em curso no ministério, devem variar de R$ 805,06 a cerca de R$ 2.000. “Tudo vai depender do tempo em que o doméstico está sem registro.”
DESTINO
Outro aspecto em discussão é que a multa aplicada ao patrão não irá para o bolso do trabalhador -deve ser recolhida aos cofres do Estado. “Devia ir para a empregada”, diz Creuza Oliveira, dirigente licenciada da federação das domésticas (CUT).
“Se o governo criar um fundo, como será fiscalizado e para onde irá essa arrecadação?”, questiona a autora da lei. O texto original previa que a multa fosse para o trabalhador prejudicado, mas essa regra foi vetada quando a lei foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff.
Um ponto de atenção é que não há número mínimo de dias de atuação do empregado na residência por semana para configurar vínculo empregatício na lei. Três dias tem sido o prazo aceito pela Justiça do Trabalho.
Outros fatores, como dependência econômica daquela atividade, também são considerados para definir a existência desse vínculo, diz a advogada Andrea Burchales, do escritório Mattos Filho.
Devido à dificuldade para fiscalizar, especialistas consideram que será difícil aplicar a multa.