FONTE: Tainara Machado
Entre 2003 e 2012, a massa salarial ampliada aumentou de 44,4% para 46,8% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com indicador desenvolvido pelos pesquisadores Rodrigo Leandro de Moura e Gabriel Leal de Barros, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), o que indica importante aumento da capacidade de consumo e endividamento no período. Esse ciclo de ganhos, no entanto, está perdendo força. No primeiro semestre de 2013, a massa salarial desacelerou para 45,7% do PIB, em função, principalmente, de ganhos menores da renda do trabalho.
O indicador, que será divulgado trimestralmente pelos pesquisadores, foi desenvolvido a partir de metodologia elaborada pelo Banco Central. Além de considerar os rendimentos do trabalho com abrangência nacional, o indicador também leva em conta os ganhos dos programas de proteção social, como o Bolsa Família e o seguro-desemprego, além dos benefícios previdenciários.
Impulsionadas pelo salário mínimo, as transferências de renda explicam boa parte do avanço da massa salarial observado no período, enquanto os rendimentos do trabalho perderam espaço no bolo, apesar da queda do desemprego e aumento reais dos salários no período.
Com os sinais de desaquecimento do mercado de trabalho, as dados acompanhados por Moura e Barros sugerem que o aumento da massa salarial sobre o PIB esteja próximo do esgotamento, com reflexos perceptíveis sobre a demanda. Após avançar 4,3% ao ano entre 2003 e 2012, o consumo das famílias subiu a uma taxa anualizada de 1,2% no segundo trimestre deste ano.
Essa desaceleração também foi observada no comportamento da massa salarial. No primeiro semestre, o indicador avançou 2,61% sobre igual período do ano anterior, a menor taxa de variação desde 2004, pelo menos, e um aumento bem inferior ao 6,5% observados, em média, na última década.
Além dos sinais de moderação do mercado de trabalho, as transferências de renda não devem dar o mesmo impulso aos rendimentos da população nos próximos anos, avaliam os economistas. A renda proveniente do Bolsa Família, por exemplo, aumentou em média 22,7% ao ano, tanto por causa do número de famílias atendidas, que saltou para 13,9 milhões em 2012, quanto pelo “efeito preço”. O valor médio concedido era de R$ 72,30 em 2004 e passou para R$ 148,70 no ano passado, por causa do aumento do piso salarial no período.
A política de valorização do salário mínimo teve efeito importante também sobre outras transferências de renda. No período analisado, o salário-base da economia subiu pouco mais de 60%, em termos reais, para R$ 678 em 2012. O reajuste tem impacto direto no pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que paga um salário mínimo para idosos e pessoas com deficiência carentes. A renda proveniente do BPC cresceu a uma taxa média de 15,2% ao ano na última década. A indexação ao piso nacional também teve influência no aumento de 11,4% ao ano da renda proveniente do seguro-desemprego e do abono salarial, para o qual ainda contribuiu o processo de formalização das relações de trabalho em curso.
Juntas, as transferências de renda do setor público contribuíram com cerca de dois pontos percentuais para a alta da massa salarial no período, ao passarem de 9,1% do PIB em 2003 para 11,4% do PIB em 2012.
Para os pesquisadores, no entanto, a continuidade desse processo não está garantida. Por um lado, o desenvolvimento econômico tende a diminuir a ampliação da rede de benefícios sociais. A taxa de crescimento de famílias atendidas pelo Bolsa Família, por exemplo, deve ser bem menor daqui para a frente, já que a maioria das pessoas que potencialmente teriam direito ao benefício já o recebe. Além disso, a regra de reajuste do piso deve ser discutida em 2015. Hoje, o salário mínimo é elevado de acordo com a inflação do ano anterior e o aumento do PIB de dois anos antes.
Para Barros, não é provável que a regra seja revista, já que seria uma medida impopular. Ao mesmo tempo, diz, a decisão de não manter a atual política de reajuste poderia “abrir” um espaço de no mínimo R$ 5 bilhões no Orçamento, o que poderia ser usado para desonerar o setor produtivo, por exemplo. “Mas é uma decisão política e que tem um custo alto”, afirma.
Apesar da melhora do mercado de trabalho, com importante queda do desemprego na década passada, a massa de rendimentos do trabalho não deu a principal contribuição para o aumento da massa salarial ampliada no período. Ao contrário, esse componente perdeu participação na massa total: era de 79,4% em 2003 e passou para 75,5% no ano passado. Isso se deveu ao crescimento menor, de 5,6% ao ano, desse componente nos últimos dez anos.
A tendência é que essa perda de participação continue a ocorrer nos próximos anos, já que a taxa de desemprego está bastante baixa e a tendência é de aumento gradual no futuro, afirmam os economistas. Ao mesmo tempo, a manutenção de elevados aumentos reais de renda teria potencial inflacionário e estreitaria ainda mais as margens das empresas, já comprimidas. É provável, diz Moura, que os salários passem a ter reajustes mais condizentes com o crescimento da produtividade.
Por isso, o modelo de desenvolvimento baseado no consumo estaria próximo de um esgotamento, afirma Moura. Nesse cenário, a massa salarial, que alcançou 46,8% do PIB no ano passado, deve ao longo do tempo voltar para patamar mais próximo de 44%, com aumento da relevância dos benefícios previdenciários. Atualmente, cerca de dois terços dos pagamentos são equivalentes a um salário mínimo, mas não sera o piso que fará diferença neste caso, observa Moura.
Com o envelhecimento da população e o aumento da formalização do mercado de trabalho, o número de beneficiários deve aumentar gradualmente ao longo dos próximos anos. Se o efeito é positivo para a renda, o mesmo não pode se dizer para as contas públicas, afirma Barros. “O bônus demográfico vai terminar e, à medida que isso acontecer, o peso dos benefícios também.”