Medo do desemprego dificulta reivindicação de melhorias e direitos pelos trabalhadores

UOL

El País

Charo Nogueira

A má situação econômica dificulta a racionalização dos horários de trabalho e a busca por igualdade tende a ser considerada um luxo quando a prioridade é manter o emprego.

“Com a crise, há quem tenha deixado essas questões um pouco estacionadas, e deveria ser o contrário”. As questões às quais se refere Ignacio Busqueras são as que dão nome à entidade privada que ele preside: Comissão pela Racionalização dos Horários Espanhóis. Dessa organização razoável dos horários depende a harmonia entre a vida profissional e a vida pessoal (seja ela familiar ou não). E este equilíbrio, temperado pela corresponsabilidade em casa, é, por sua vez, um pilar chave para a igualdade real entre mulheres e homens. Um ciclo virtuoso que aumenta a produtividade, segundo seus defensores. Um ciclo que a crise está transformando. Como reivindicar melhorias, ou até mesmo direitos, quando o desemprego ameaça? Como avançar em igualdade quando esta é percebida como um luxo próprio de tempos prósperos?

“O trabalhador está disposto a aguentar o que for para se manter no emprego”, diz Buqueras, que há oito anos é um apóstolo da racionalização de horários, sempre pronto a catequizar políticos e empresários em nome de sua associação. O medo do desemprego, que já atinge cinco milhões de pessoas, atormenta os trabalhadores empregados. Faz com que eles desistam de reivindicar, entre outras coisas, a melhoria dos horários, uma política que só pode avançar com a aprovação dos patrões. E as empresas ditam as regras. “As pessoas têm medo e a situação fica rígida assim”, diz Nuria Chinchilla, professora do IESE (Universidade de Navarra) e presidente do Centro Internacional Trabalho e Família.

Do ponto de vista sindical, a situação é ainda pior. “A primeira preocupação dos trabalhadores e sindicatos agora é a manutenção do emprego, até acima do salário e, é claro, das medidas de igualdade”, reconhece a responsável pelo setor Mulher da Confederação Sindical de Comissões de Trabalhadores, Carmen Bravo. A crise, que altera a relação de forças e as prioridades de trabalhadores e empresários, cobra um preço alto das possibilidades de conciliar trabalho e vida pessoal. Só teve algum efeito positivo no setor público, segundo Buqueras. A necessidade de cortar o orçamento público impulsionou uma política de luzes apagadas e horários comprimidos em alguns setores do governo. Como, por exemplo, o fechamento dos escritórios à tarde, implantado há um ano pela endividada Prefeitura de Madri. A medida, pensada para reduzir os custos, melhorou por sua vez as condições de trabalho. É o caso da necessidade transformada em virtude.

Por outro lado, ao observar as empresas privadas, “seja qual for o tamanho”, o presidente da comissão de horários vê, sobretudo, a manutenção ou até o reforço da “cultura e dos hábitos tradicionais”, alinhados com o que foi proposto pelo antigo presidente do sindicato, Gerardo Díaz Ferrán. “Ele disse que era preciso trabalhar mais horas e ganhar menos dinheiro”, lembra Busqueras, consternado. “O que é preciso fazer é otimizar as horas”, propõe. “Em muitas empresas ainda se perde tempo com coisas pouco resolutivas, como reuniões ou refeições”, denuncia depois de repetir o seu lema: os horários razoáveis permitem conciliar a vida pessoal e isso aumenta a produtividade.

Mas esta não é a ideia dominante, ainda que haja quem veja razões para o otimismo. “Embora este não seja o momento de investir em mudanças, a flexibilidade dos horários está entrando nas empresas por dois motivos. Por um lado, permite baratear custos, como a conta dos escritórios. Por outro, facilita a retenção de talentos, uma coisa que é importante mesmo em momentos de muito desemprego”, afirma Chinchilla, coautora de “A Ambição Feminina: Como Conciliar Trabalho e Família” (Aguillar).

Racionalização de horários? Conciliação? A resposta de Arturo Fernández, vice-presidente do sindicato CEOE, passa pela palavra “flexibilidade”. “O que pedimos dos empresários é muita flexibilidade no conjunto da negociação coletiva”, explicou recentemente a este jornal. E nesse marco, “que cada empresa tenha a flexibilidade horária que considere oportuna”. A fórmula do representante sindical: “flexibilidade de horários implica menos ausências, o que gera maior produtividade”. “Cada empresa tem que ser mais livre para adequar seus horários e seus salários”, discorre o dirigente da CEOE e dos empresários de Madri. Nuria Chinchilla enfatiza a flexibilidade de horários, que concebe como uma questão mais pessoal que de convênio, dentro de uma flexibilidade geral do mercado de trabalho. “É o tema mais pesado que temos sobre a mesa”, acrescenta.

As nuvens negras no horizonte dos horários e da conciliação se estendem para a questão da igualdade de gêneros. “A crise pode prejudicar todos os avanços que fizemos”, alerta Almudena Fontecha, responsável por igualdade no sindicato UGT. “Ela chegou quando estávamos no processo de incorporar medidas para equiparar mulheres e homens”. A Lei de Igualdade, de 2007, foi aprovada pouco antes do início de uma crise que parecia uma tormenta e se transformou em furacão. A norma, uma das joias da coroa do primeiro-ministro Rodríguez Zapatero, incluía medidas como a paridade eleitoral e a obrigação de negociar planos de igualdade nas grandes empresas. Também encorajava a presença feminina nos conselhos de administração e criava a licença de paternidade, entre outras medidas inovadoras.

Fontecha está convencida de que já houve um retrocesso nas iniciativas encaminhadas para melhorar os níveis de igualdade traçados pela lei, apesar da dificuldade de medir isso com dados. Na Seguridade Social, não se observam renúncias a direitos como licenças remuneradas de maternidade ou paternidade. “No máximo há menos licenças para cuidar dos filhos, mas nada significativo”, afirma um porta-voz. Resulta impossível saber se essa queda eventual está relacionada a situações de desemprego na família, por exemplo.

Outro termômetro da igualdade, o número de convênios coletivos que incorporaram planos com medidas orientadas para a equiparação trabalhista de empregadas e empregados, tampouco é fidedigno. “Até o final do ano passado, não era obrigatório registrar esses planos nos convênios”, lamenta Fontecha. “Desde 2009, há uma tendência à redução das medidas de igualdade nos convênios”, acrescenta Carmen Bravo do sindicato CC OO. A isso se soma outro elemento desalentador, segundo as sindicalistas: a dificuldade de negociar pactos trabalhistas e até para fazer com que os acordos sejam cumpridos.

“Há uma paralisação total das iniciativas de igualdade tanto nos convênios como fora”, diz Fontecha. E além disso, “dois discursos” convivem. “Por um lado, diz-se que estão investindo nas políticas de igualdade e por outro se colocam em marcha políticas que acabam indo em detrimento dela”. Entre estas últimas, ela cita medidas como a aprovação do encadeamento de contratos temporários (as mulheres têm mais que os homens) ou a anulação de convênios, que presumivelmente teriam incorporado medidas igualitárias.

O corte de gastos públicos com políticas sociais repercute em maior medida nas mulheres, principais encarregadas das tarefas de cuidado com as crianças e dependentes maiores de idade. Daí que a sindicalista destaca, por exemplo, o corte do plano estatal para contribuir com milhares de lugares em creches públicas.

Nesta crise, o exemplo tampouco vem do governo que fez da igualdade sua bandeira até que a crise se revelou em toda sua crueza. A prioridade agora é cortar os números vermelhos, acalmar os mercados. “As políticas de igualdade foram paralisadas. Não foi cumprido, por exemplo, o compromisso de ampliar a licença paternidade para quatro semanas”, destaca Juan Torres, professor de Economia Aplicada na Universidade de Sevilha e coautor de “Desiguais: Mulheres e Homens na Crise Financeira” (Icaria).

Está previsto que a duração da licença remunerada para os pais aumentará gradualmente até alcançar seu máximo em 2013, mas o Executivo recusou-se a estendê-la: sopram ventos de cortes sociais. O jornal tentou, reiteradamente e sem sucesso, conhecer o ponto de vista da Secretaria de Estado de Igualdade sobre a situação. No órgão do Ministério da Saúde encarregado dessas políticas e de avaliar os avanços na equiparação entre mulheres e homens, o silêncio é guardado.

O freio nas políticas de igualdade tem dois motivos: “a falta de recursos e a ideia de que a igualdade é um luxo em momentos de austeridade”, analisa Torres. O professor observa que a negociação coletiva é “muito resistente” a incorporar mudanças positivas. No máximo, apostam em medidas pensadas para que os funcionários conciliem. E diante desse estado de coisas, ninguém protesta.

“O medo do desemprego torna os trabalhadores mais conservadores e os empresários têm a ideia de que a igualdade é um luxo de períodos de bonança”, acrescenta Torres. “É muito difícil defender os temas da igualdade. Por um lado as administrações não impulsionam o diálogo social. Por outro, as organizações empresariais não têm nenhuma disposição. E os sindicatos dão prioridade à manutenção do emprego sobre todos os outros aspectos”, admite a sindicalista Carmen Bravo.

“Infelizmente, a igualdade não é considerada um bem comum, mas um elemento de luxo; como uma moda passageira da qual se pode prescindir quando as coisas estão mal”, reflete Fontecha. Além disso, uma política de igualdade, no fundo, “custa dinheiro”. Obriga, por exemplo, a equiparar salários.

Chovem canivetes, mas Buqueras mantém seu sermão impassível: “Em um contexto de grave crise, é preciso conseguir mais produtividade”. E isso é mais fácil de obter com “gente satisfeita”, ou seja, com trabalhadores que não precisam trabalhar horários “desmedidos” e estranhos, que respondem à cultura do “presentismo”, essa que impede que o funcionário vá embora se o chefe ainda está no escritório e onde se avalia os empregados pelo tempo que ficam na empresa em vez de pelos objetivos que cumprem.

Mas poucos o escutam. A prioridade hoje é continuar tendo um escritório para onde ir, ainda que seja com um horário terrível ou um chefe alérgico a ir para casa. Para conciliar, é preciso ter emprego. E isso é o que falta a um em cada cinco trabalhadores: 20,9% estão desempregados.

Tradução: Eloise De Vylder