Por Tainara Machado | De São Paulo
A rápida piora da geração de vagas de emprego nos primeiros dois meses de 2015 indicam que, em algum momento do segundo semestre deste ano, o mercado de trabalho pode aliviar a pressão sobre a inflação.
O custo, porém, não será desprezível. Economistas ouvidos pelo Valor Data estimam que a taxa de desemprego pode ter alcançado 5,7% em fevereiro, de acordo com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) a ser divulgada hoje, a maior desde junho de 2013. Desde dezembro, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o mercado de trabalho não gera novas vagas com carteira assinada e os reflexos defasados da atividade muito fraca em 2014 e o ajuste em curso na economia doméstica podem levar a taxa de desemprego a superar 6% ainda no primeiro semestre.
Diante de um quadro de recessão desenhado para 2015, alguns economistas avaliam que o hiato do produto deve ficar em terreno negativo neste ano, embora essa visão não seja um consenso. O hiato do produto é uma variável não diretamente observável na economia, mas que é acompanhada pelo Banco Central na definição da política monetária e que procura estimar a diferença entre o crescimento efetivo e potencial (máximo de produção que uma economia pode alcançar sem gerar pressões inflacionárias). Com hiato em queda neste e no próximo ano, a expectativa é que a inflação, especialmente de preços livres, desacelere.
Em estudo feito pelo Bradesco, a alta do desemprego para 7,2% ao fim deste ano sugere que o hiato no mercado de trabalho estará negativo em 1% em dezembro de 2015, o que, no modelo de dispersão usado pelo banco, colocaria a inflação de preços livres em 4,5% ao fim desse ano.
Esse não é, porém, o cenário central do banco e nem do mercado, comenta Igor Velecico, economista do Bradesco, que projeta IPCA de 5,7% em 2016. Para Velecico, ainda que seja uma desaceleração expressiva em relação à inflação de 8% estimada para 2015, a desvalorização da taxa de câmbio e a inércia jogam contra um cenário de convergência mais rápida do IPCA para o centro da meta em 2016.
Para Velecico, uma das principais variáveis que sugerem perda de força da inflação de preços livres no médio prazo, especialmente no setor de serviços, é o salário de admissão do Caged, que caiu 1,1%, em termos reais, no trimestre encerrado em fevereiro, na comparação com igual período do ano anterior. Essa desaceleração mais forte, diz, pode se refletir em desaceleração da renda real na PME nos próximos meses. O Bradesco estima que a massa de rendimentos ficará estagnada em 2015, após crescer 2,6% em 2014.
Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, também dá bastante peso à evolução dos salários de admissão no Caged como termômetro do mercado de trabalho. “Com uma defasagem de até nove meses, esse salário impacta a renda média na PME”, comenta, o que posteriormente se reflete na inflação de serviços. Esse é um dos indicadores observados pela LCA para estimar o hiato do produto.
Outro dado é a sinalização de demanda insuficiente como principal fator de limitação para expansão da produção pelo setor industrial, em questionário realizado trimestralmente pela Fundação Getulio Vargas (FGV).
No fim de 2012, apesar do crescimento de 1% do PIB, esse era o principal entrave para apenas 18% dos entrevistados; porcentual que subiu para 34% na última sondagem, maior valor desde 2005. “São sinais de que o hiato do produto está caminhando mais para terreno negativo, porque nem em 2009 a demanda e os salários de admissão sinalizavam economia tão fraca”, afirma Borges. Por isso, diz, está mais confiante em um cenário de inflação mais próxima de 5% em 2016.
O Bradesco leva em conta a evolução da taxa de desemprego e o nível de utilização da capacidade instalada para estimar a abertura do hiato do produto. Em 2015 e 2016, estima Velecico, a economia brasileira pode crescer cerca de 2,5 pontos a menos do que o potencial. Até o segundo trimestre do ano passado, a economia ainda crescia mais do que sua capacidade, já que a taxa de desemprego seguia em nível bastante baixo, diz.
O professor Fabio Kanczuk, da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), faz restrições à essa avaliação. Em sua análise, o momento atual se caracteriza por um choque de oferta, com as restrições ao consumo de energia e de água, mesmo que não haja racionamento. Sem condições adequadas de oferta de insumos importantes para a produção, a atividade cai, o mercado de trabalho se enfraquece, mas o resultado é um aumento de preços, não uma queda.
A partir de um modelo estrutural, Kanczuk diz que até meados do ano passado havia de fato sinais de que o hiato estava “abrindo”, o que até levou a inflação de bens comercializáveis a ceder. Mas com preços de energia muito elevados (o economista projeta IPCA de 9% neste ano), o hiato voltou a fechar nos meses recentes. Só a partir do ano que vem, caso a oferta de energia e água se normalize, é que o crescimento abaixo do potencial pode de fato se traduzir em desaceleração de preços. Mesmo assim, diz, por causa da inércia, a expectativa é de alta de 6,5% do IPCA em 2016.
Cristiano Oliveira, economista-chefe do Banco Fibra, também faz ponderações. Em sua avaliação, o hiato do produto está em terreno mais negativo neste ano, mas ao mesmo tempo em que há desaceleração mais acentuada da economia, com queda de 0,8% do PIB estimada para 2015, o potencial de crescimento sem gerar inflação também diminuiu nos últimos anos e estaria hoje em torno de 1,5%. Assim, a diferença é menor do que se o potencial tivesse se mantido no ritmo observado durante o governo Lula, entre 3% e 3,5%. “Houve retração do investimento e da poupança, que limitam a capacidade de expansão da economia. Mais recentemente, as restrições de oferta de energia e água também reduzem o potencial”, diz o economista.
Por isso, mesmo com piora mais rápida do mercado de trabalho, o centro da meta perseguida pelo BC, de 4,5%, parece um alvo distante para 2016, por causa de riscos como a taxa de câmbio e a evolução dos preços administrados.