Em paralelo a medidas com o objetivo de reduzir o excesso de mão de obra em sua fábrica no ABC paulista, a Mercedes-Benz está negociando acordos com o sindicato dos metalúrgicos da região para cortar custos trabalhistas que, segundo a montadora, são hoje o dobro dos de concorrentes como MAN e Volvo.
Estão em discussão temas como uma nova grade salarial, mudanças nas regras de aposentadoria e acordos coletivos com prazos mais longos do que o modelo atual, no qual os salários são reajustados anualmente. “Para sermos competitivos, temos de ter custos competitivos”, disse ontem o presidente da Mercedes-Benz no Brasil, Philipp Schiemer.
Em entrevista a um pequeno grupo de jornalistas na sede da montadora em São Bernardo do Campo, o executivo afirmou que “em nenhum outro país” aumentos salariais seriam discutidos num momento de crise como o atual e ressaltou a necessidade de, em meio à queda no consumo de caminhões, dividir essa conta com os trabalhadores.
Por outro lado, Schiemer garantiu a manutenção dos investimentos no país – a previsão é de mais R$ 1 bilhão em veículos comerciais até 2015 -, assim como descartou a possibilidade de fechamento da fábrica de caminhões extrapesados em Juiz de Fora (MG).
Segundo ele, a Mercedes paga hoje o dobro dos salários cobrados em Resende (RJ) – onde está instalada sua principal concorrente, a MAN – e Curitiba (PR), sede da Volvo. “Não queremos que essa diferença continue aumentando. Se possível, queremos reduzir”, disse.
Há mais de um ano, a empresa negocia com o sindicato do ABC alternativas para melhorar a competitividade da fábrica de São Bernardo. Além da redução de custos, o objetivo é melhorar a previsibilidade do negócio. Ao mesmo tempo, estuda como aumentar sinergias entre as operações do ABC e de Juiz de Fora, o que pode levar à reorganização de linhas de produção nas duas fábricas.
Ao detalhar as negociações na unidade paulista, Schiemer disse que a empresa quer estabelecer um teto para a idade de aposentadoria. Hoje, não há um prazo fixo que obrigue os funcionários a se retirarem. Entre outros objetivos, a montadora alemã também pretende reduzir a grade salarial de futuras contratações e mudar a fórmula de cálculo da participação nos lucros e resultado.
Da mesma forma, busca estender o prazo dos acordos coletivos. Pelo modelo atual, a Mercedes precisa negociar a cada ano os reajustes salariais e benefícios dos trabalhadores.
Desde o início de julho, cerca de 1,2 mil operários das linhas de produção da Mercedes em São Bernardo estão afastados da fábrica em regime de “layoff”, que permite a suspensão de contratos de trabalho por até cinco meses. Já na semana passada, outros 158 empregados entraram em “layoff” na fábrica de Juiz de Fora, onde a Mercedes também chegou a um acordo para introduzir o sistema de banco de horas para adequar a carga de trabalho às necessidades de produção.
Fora isso, 1,1 mil trabalhadores se desligaram da empresa em um programa de demissões voluntárias aberto em São Bernardo. Mesmo assim, Schiemer disse ontem que a Mercedes, operando com ociosidade próxima a 40%, ainda tem um excesso de mão de obra estimado em 500 empregados nas duas fábricas.
“Temos capacidade demais para o mercado atual. Mas isso não acontece somente na Mercedes”, disse Schiemer.
Entre janeiro e julho, as vendas de caminhões no Brasil mostraram queda de 13,6%, enquanto a produção cedeu perto de 21%, uma vez que medidas como antecipação de férias coletivas, redução da jornada de trabalho com descontos no banco de horas e licença remunerada, além do layoff, foram adotadas por todas as montadoras do setor.
Nas contas da Mercedes, o consumo desses veículos no país deve fechar 2014 em 130 mil unidades, quase 20 mil a menos do que no ano passado – em estimativa que exclui da conta os caminhões semileves.
Segundo Schiemer, o desempenho negativo se deve à queda na confiança das empresas diante da desaceleração econômica. “Hoje, fala-se em recessão e, numa recessão, ninguém investe”, disse.
Por essa falta de confiança nos rumos da economia, ele também não demonstrou muito otimismo com as medidas recentes anunciadas em Brasília para irrigar o mercado de crédito. “O maior problema é a falta de confiança. Injetar mais dinheiro no sistema não significa mais crédito. Se não houver confiança, as pessoas não vão comprar”, disse.
Para Schiemer, o mercado de caminhões tem potencial de alcançar a marca de 200 mil unidades até o fim da década, mas isso vai depender de uma retomada de uma taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) próxima de 3% ao ano.
O executivo diz que estímulos à renovação de frotas, como facilitar o crédito a pequenos transportadores autônomos, poderia trazer ao mercado um grande público que tem hoje pouco acesso às linhas de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Apesar disso, Schiemer acredita que a implementação de um programa nacional para retirar os caminhões mais antigos das estradas – um dos principais pleitos da indústria – ficará para o próximo governo.