A inflação mais elevada deste ano conta com dois novos focos de pressão: os preços administrados e os bens duráveis
Mesmo sem um reajuste da gasolina ou correções importantes de tarifas de transporte, os itens monitorados por contrato responderam por 17% da alta de 6,75% acumulada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nos 12 meses encerrados em setembro. Essa é a maior contribuição das tarifas públicas para a inflação anualizada desde outubro de 2011.
Já os bens duráveis foram responsáveis por 6,3% do indicador no período, maior participação desde 2008. De janeiro de 2009 até o primeiro semestre de 2013, o impacto dos duráveis na inflação era negativo. Os cálculos são do Bradesco.
Na análise de janeiro a setembro, segundo cálculos da Tendências Consultoria, a participação dos preços administrados foi a que mais cresceu. No ano passado, quando o governo reduziu as tarifas de energia elétrica para consumidores e indústria, os preços regulados por contrato tiveram contribuição zero para o índice nos primeiros nove meses do ano. Em igual período de 2014, adicionaram 0,9 ponto ao indicador, respondendo por 18,5% da inflação de 4,6%.
Adriana Molinari, da Tendências, destaca que o peso deste grupo na inflação aumentou consideravelmente de 2013 para 2014, mesmo sem o governo ter autorizado uma correção da gasolina nas refinarias. Isso ocorreu principalmente em função dos reajustes de energia elétrica, que foram mais altos do que o previsto. Até agora, o item energia subiu 13%, respondendo por cerca de 45% da alta dos preços monitorados, que avançaram 3,7% no acumulado do ano. “Os preços livres estão andando de lado, mas isto está sendo compensado pela alta bastante intensa dos administrados”, diz a economista.
Em levantamento enviado a clientes, Miryã Bast, do Bradesco, aponta que o comportamento dos administrados ao longo deste ano se assemelha ao observado em 2011, quando este conjunto de preços chegou a responder por 1,45 ponto do IPCA nos 12 meses terminados em outubro, ou 20% da inflação de 6,97% acumulada no período. Naquele ano, porém, Miryã nota que a alta dos administrados foi liderada por reajustes de combustíveis e de tarifas de transporte urbano, ao passo que, neste ano, o principal fator de pressão partiu das contas de luz.
Além dos preços administrados, a economista destaca a inversão na trajetória dos bens duráveis. Essa parte da inflação, de acordo com os cálculos de Myriã, foi responsável por 0,3 ponto do avanço do IPCA até setembro deste ano, contra 0,23 ponto no mesmo período de 2013. De 2007 a 2012, a média da contribuição dos bens duráveis para a inflação foi negativa (-0,12 ponto). Considerando a inflação acumulada em 12 meses, ela calcula que os bens duráveis acrescentaram 0,44 ponto ao IPCA.
Apesar da atividade fraca e do declínio nas vendas, Myriã observa que o fim das desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis, móveis e alguns produtos da linha branca fizeram os preços de bens duráveis deixarem o campo deflacionário. A depreciação cambial de 18% acumulada desde 2013 também teria influenciado a alta dos bens duráveis, que subiram 4% nos 12 meses até setembro. No ano encerrado em setembro de 2013, os duráveis mostravam queda de 5%.
Para Ricardo Denadai, economista-chefe da Santander Asset Management, o risco para a inflação dos produtos duráveis nos próximos meses está mais relacionado à trajetória do dólar do que à recomposição de impostos. No cenário da gestora da Santander, a taxa média de câmbio ao longo de 2015 será de R$ 2,50. “O câmbio pode causar uma dinâmica um pouco pior dos duráveis mais à frente”, comentou.
Na contramão dos administrados e dos bens duráveis, os alimentos perderam espaço na dinâmica inflacionária deste ano. Nos cálculos da Tendências, os alimentos consumidos no domicílio foram responsáveis por 15,9% do avanço do IPCA de janeiro a setembro. Nos dois anos anteriores, a participação dos alimentos consumidos em casa na inflação oficial de janeiro a setembro foi bem superior, de 26,3% e 21,8% em 2012 e 2013, respectivamente.
Adriana observa que os dois anos anteriores foram marcados por choques de oferta quase contínuos de alimentos. Em meados de 2012, a seca no meio-oeste dos Estados Unidos pressionou as cotações de grãos importantes, como a soja e o milho, preços de carnes e aves ao consumidor. Logo em seguida, no começo de 2013, o foco de pressão partiu dos produtos in natura. Naquele ano, no entanto, a redução da oferta ocorreu em função do excesso de chuvas.
Entre agosto de 2012 até abril de 2013, Adriana calcula que os alimentos no domicílio subiram 1,38% ao mês, em média. Já de agosto do ano passado a abril deste ano, essa variação caiu para 0,79%. “A inflação de alimentos está muito mais favorável do que nos dois últimos anos”, afirma a economista, para quem o choque ocorrido no início deste ano devido à seca foi menos intenso do que os anteriores. “Foi uma alta pontual, mas depois ocorreram seguidas quedas dos produtos in natura”, complementa.
O chefe de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, avaliou, após o IPCA de setembro, que a inflação segue elevada e generalizada. Como exemplo de que o problema não reside somente nos alimentos, Ramos menciona que quatro outros grupos pesquisados pelo IBGE subiram mais de 7,5% nos 12 meses encerrados em setembro, além de alimentação: despesas pessoais (9,1%); habitação (8,7%); educação (8,3%) e artigos de residência (7,54%).
Para Ramos, o IPCA deve permanecer acima de 6% em 2015, devido à inércia e às expectativas desancoradas, mas também a um movimento adicional de desvalorização do dólar e a reajustes “significativos” de tarifas públicas. No cenário da Tendências, o indicador deve ficar entre 6% e 6,5% no próximo ano, com comportamento dos grupos parecido ao deste ano. “A expectativa de safras favoráveis deve ajudar os alimentos, mas os administrados vão chamar mais atenção em função das tarifas”, afirma Adriana.