Na esteira do menor consumo de veículos no país, queda nas exportações e estoques acima do normal, a indústria automobilística está convivendo com índices incomuns de ociosidade nas fábricas, o que tem levado a um número crescente de demissões. Só na cadeia de autopeças, a ociosidade, que um ano atrás estava abaixo de 23%, passou pela primeira vez da marca de 31% nos meses de dezembro e abril (veja gráfico), conforme pesquisa do Sindipeças, entidade representativa desse setor.
Já as montadoras estão operando com excesso de capacidade próximo de 28%, levando-se em conta a produção mensal média de pouco mais de 270 mil veículos desde janeiro, face ao potencial de até 375 mil unidades por mês.
Números como esses levaram as empresas a enxugar a mão de obra com maior intensidade nos últimos meses. Segundo o Caged – que registra a movimentação de contratações e demissões no mercado de trabalho formal -, a indústria de materiais de transporte, segmento onde estão inseridas as montadoras e os fabricantes de autopeças, eliminou quase 10 mil vagas nos últimos 12 meses, sendo mais de 4 mil delas só neste ano.
O balanço da Anfavea, a associação das montadoras, mostra que 4,7 mil postos foram cortados em fábricas de veículos e máquinas agrícolas nos cinco primeiros meses de 2014, bem diferente da realidade do ano passado, quando o setor, embalado pela recuperação nas exportações e pela substituição de carros importados por nacionais, teve recorde de produção.
As empresas têm utilizado todos os instrumentos à disposição para adiar o quanto podem a possibilidade de demissões em massa. Desde o início do ano, já usaram o banco de horas para reduzir a carga de trabalho, anteciparam férias coletivas, suspenderam temporariamente contratos de empregados e deram licença remunerada.
Tais recursos, contudo, começam a se esgotar à medida que a crise se prolonga por mais tempo, forçando os cortes de mão de obra. No início do mês, a Peugeot Citroën abriu programa de demissões voluntárias (PDV) para eliminar o excedente de 650 operários após o fechamento de um dos três turnos de trabalho na fábrica de Porto Real, no sul do Rio de Janeiro. Outro PDV foi aberto pela Mercedes-Benz no ABC paulista, onde o excesso de mão de obra era estimado em 2 mil trabalhadores. Segundo estimativas do sindicato local, mais de mil operários deixaram a empresa pelo programa.
Entre janeiro e maio, a produção das montadoras brasileiras caiu mais de 13%, como resultado da baixa de 5,5% no consumo de veículos doméstico e do recuo de 31,6% das exportações. Levantamento do Sindipeças, com base em dados coletados até abril, mostra queda de 7% no faturamento da indústria nacional de autopeças, num desempenho puxado pelo recuo de 11% nas compras das montadoras, que respondem por 68% dos resultados do setor. As exportações de componentes automotivos, prejudicadas pela quebra no fluxo com a Argentina, também vão mal, marcando queda de 16,5% até maio, conforme balanço da Secretária de Comércio Exterior (Secex) que inclui os embarques dos fabricantes de pneus.
Na falta de sinais de reação, as empresas de autopeças começaram a demitir. Nos últimos dois meses, a Iochpe-Maxion dispensou 509 trabalhadores, ou 10% do quadro, da fábrica de chassis e rodas em Cruzeiro, cidade do lado paulista do Vale do Paraíba.
No ABC, a Karmann-Ghia, que fornecia peças à aposentada Kombi, mantém já há quatro meses 250 funcionários afastados da produção via “layoff”, o regime no qual os contratos de trabalho são suspensos por até cinco meses e parte do salário é bancada pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
A Meritor, fabricante de eixos de caminhões, já tinha decidido interromper a produção por até 16 dias entre abril e julho em Osasco, na Grande São Paulo, mas ampliou o corte de produção ao conceder neste mês duas semanas de férias coletivas. Multinacionais como a alemã Continental e a americana Cummins, além dos fabricantes de implementos rodoviários de Caxias do Sul (RS) Randon e Guerra, também reduziram o ritmo por meio de medidas como férias coletivas ou semana curta de trabalho, com um dia a menos de produção.
Jorge Nazareno, presidente do sindicato dos metalúrgicos de Osasco, diz que muitas demissões acontecem porque a crise da indústria automobilística piorou ainda mais a situação das empresas de autopeças que já vinham enfrentando dificuldades financeiras. Ele cita, como exemplo de sua região, a Mecano Fabril, fabricante de peças como tubos de combustível que demitiu cerca de 40 funcionários no início do mês. “A empresa segue ativa, mas reduziu o quadro em 8%”, conta o sindicalista.