MPB4 canta Roda viva de Chico Buarque

Escrita no início da ditadura militar, ainda sob impacto do golpe de 1964 e às vésperas do endurecimento do AI-5, a música Roda viva expressa o espírito daquela época: de incertezas, de pesar e de uma busca desesperada por criar uma resistência.

Logo no início a letra entrega “Tem dias que a gente se sente/como quem partiu ou morreu/a gente estancou de repente/ou foi o mundo então que cresceu”, revelando um sentimento de impotência que se instalou em grupos políticos, culturais e sociais.

E logo depois declara: “A gente quer ter voz ativa/no nosso destino mandar/mas eis que chega a roda vida/e carrega o destino pra lá”, “A gente vai contra a corrente/até não poder resistir/Na volta do barco é que sente/o quanto deixou de cumprir” e “Faz tempo que a gente cultiva/a mais linda roseira que há/mas eis que chega a roda viva/e carrega a roseira pra lá…”.

Importante notar que a roseira é a metáfora do socialismo, combatido pelos militares. A música fala sobre como era difícil criar uma resistência naquela época, sendo a Roda vida, ironicamente, a representação de uma pulsão de morte.

A canção, de Chico Buarque, é parte da peça de mesmo nome, de sua autoria, dirigida por José Celso Martinez Corrêa em 1968 e em 2019.

Hoje, 54 anos depois, ela, além de sua importância histórica e de seu tom nostálgico, volta a ter um sentido real. O fantasma do regime autoritário voltou a nos assombrar após a eleição, em 2018, de um presidente apoiador da ditadura e de seus torturadores.

Voltou a sensação expressa no verso “Tem dias que a gente se sente/como quem partiu ou morreu/ a gente estancou de repente/ou foi o mundo então que cresceu” e também a sensação de “o quanto deixou de cumprir”. Com todas as suas mazelas aprofundadas pela pandemia, a atual Roda viva que carrega o destino pra lá é o governo antissocial, negacionista, com arroubos autoritários.

Roda viva
(Música e letra: Chico Buarque/1967)
Intérprete: MPB4

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua, a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade pra lá
Roda mundo, roda-gigante
Rodamoinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

Fonte: memoriasindical.com.br