Música e Trabalho: Vital Farias canta de sua autoria a “Saga da Amazônia”

Na década de 1980, reagindo aos impactos devastadores de décadas dominadas por um modelo de crescimento econômico que não contemplava a sustentabilidade ambiental, o tema da ecologia ganhou força. O músico resume esta situação com simplicidade e poesia, como uma triste fábula sobre antigas culturas, sobre espécies extintas, sobre um mundo desencantado.

O disco Cantoria 1 foi gravado no Teatro Castro Alves em janeiro de 1984, registrando o primeiro encontro de quatro dos maiores cantadores e violeiros do País: Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias (autor da canção Saga da Amazônia) e Xangai.

Saga da Amazônia

(Composição: Vital Farias, de 1979)
Intérpretes: Elomar, Geraldo Azevedo, Vital Farias e Xangai

Era uma vez na AMAZÔNIA/a mais bonita floresta
Mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
No fundo d’água as IARAS, caboclo, lendas e mágoas
E os rios puxando as águas

PAPAGAIOS, PERIQUITOS/cuidavam das suas cores
Os peixes singrando os rios, curumins cheios de amores
Sorria o JURUPARI, UIRAPURU?seu porvir
Eram: FAUNA, FLORA, FRUTOS E FLORES

Toda mata tem caipora para a mata vigiar
Veio caipora de fora para a mata definhar
E trouxe DRAGÃO-DE-FERRO, pra comer muita madeira
E trouxe em estilo gigante, pra acabar com a capoeira.

Fizeram logo o projeto sem ninguém testemunhar
Para o dragão cortar madeira e toda mata derrubar:
Se a floresta meu amigo tivesse pé pra andar
Eu garanto meu amigo, com o perigo não tinha ficado lá.

O que se corta em segundos gasta tempo pra vingar
E o fruto que dá no cacho pra gente se alimentar?
Depois tem passarinho, tem o ninho, tem o ar
IGARAPÉ, rio abaixo, tem riacho e esse rio que é um mar.

Mas o DRAGÃO continua a floresta devorar
E quem habita essa mata praonde vai se mudar?
Corre ÍNDIO, SERINGUEIRO, PREGUIÇA, TAMANDUÁ
TARTARUGA, pé ligeiro, corre-corre TRIBO DOS KAMAIURÁ

No lugar que havia mata, hoje há perseguição
Grileiro mata posseiro só pra lhe roubar seu chão
Castanheiro, seringueiro já viraram até peão
Afora os que já morreram como ave-de-arribação
Zé de Nana tá de prova, naquele lugar tem cova
Gente enterrada no chão:

Pois mataram índio que matou grileiro que matou posseiro
Disse um castanheiro para um seringueiro que um estrangeiro
Roubou seu lugar

Foi então que um violeiro chegando na região
Ficou tão penalizado e escreveu essa canção
E talvez desesperado com tanta devastação
Pegou a primeira estrada sem rumo, sem direção
Com os olhos cheios de água, sumiu levando essa mágoa
Dentro do seu coração.

Aqui termina essa história para gente de valor
Pra gente que tem memória muito crença muito amor
Pra defender o que ainda resta sem rodeio, sem aresta
Era uma vez uma floresta na linha do Equador

Fonte: Centro de Memória Sindical