Mutirão vai tentar tirar criança de abrigos

Justiça inicia ação para detectar crianças e jovens que estão há mais de dois anos longe do convívio familiar

Juízes irão até os locais com promotor, defensor público, familiares e técnicos de prefeituras; meta é cumprir o ECA

JOSÉ BENEDITO DA SILVA
DE SÃO PAULO

A Justiça de SP fará a partir do próximo dia 27 um mutirão em todos os abrigos de crianças e adolescentes do Estado para garantir um ponto fundamental do Estatuto da Criança e do Adolescente: o direito ao convívio familiar.
A ação vai reavaliar a situação de cada um dos cerca de 13 mil abrigados hoje no Estado -4.000 na capital.
A ofensiva é fortalecida pela nova lei de adoção, que acrescentou ao ECA, no final de 2009, dois pontos: ninguém pode ficar em abrigos por mais de dois anos e todos têm direito a ter sua situação reavaliada a cada seis meses.
As chamadas “audiências concentradas” vão durar três meses e serão realizadas nos próprios abrigos -públicos ou mantidos por ONGs.
Além do juiz, a audiência terá promotor, defensor público, familiares e representantes da prefeitura nas áreas de assistência social, educação, saúde e habitação.
“Esses abrigos deveriam elaborar para cada criança um plano individual de atendimento, com participação da prefeitura, para prever as necessidades dela e da família, mas a maioria não faz”, diz o juiz Eduardo Rezende Melo, da Coordenadoria de Infância e Juventude do TJ.
O plano deve contemplar ainda todas as potencialidades da criança, os aspectos que devem ser favorecidos.
Não há idade mínima para uma criança ir para um abrigo nem um motivo único.
Pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2004 mostra que 24% estavam abrigados só porque a família era pobre. Depois vêm abandono (19%), violência doméstica (12%) e dependência química dos pais (11%). Os abrigos não recebem menores infratores.
“O ECA estabelece expressamente que a falta de recursos materiais não constitui motivo suficiente para perda ou a suspensão do poder familiar”, diz Fernando Henrique de Moraes Araújo, coordenador de Infância e Juventude do Ministério Público.
O Ministério do Desenvolvimento Social conclui, com a Fiocruz, nova pesquisa sobre abrigados -a estimativa é que haja 50 mil no país.

LONGE DE CASA

Outro problema é a distância dos abrigos. “A lei diz que as crianças fiquem em abrigos perto de casa, para facilitar a visita das famílias”, afirma Melo, que critica a falta de uma central de vagas.
“Você tem de ficar ligando de abrigo em abrigo para saber se tem vaga”, diz.
Outro problema é a demora dos processos judiciais. Araújo cita, entre outras causas, a dificuldade de achar interessados na adoção, varas em que juízes e promotores acumulam funções, locais sem equipamentos e equipes técnicas qualificadas e a “ausência de olhar comprometido com a causa”.