Aquecida em temperatura de 1.500 graus, a barra de aço ganha luzes em tons de vermelho e amarelo enquanto desliza lentamente na prensa. No comando da imensa máquina que dá a primeira forma aos anéis para câmbio de caminhão está o operador José Pereira, concentrado num trabalho que ele conhece há muito tempo. Já são 30 anos na mesma empresa. Nos primeiros 14, José foi operário; nos últimos 16, um dos donos.
Como José, todos dentro da fábrica usam o mesmo uniforme. Por isso, quem não conhece a história da Uniforja, fabricante de conexões de aço forjado, em Diadema (SP), diria que todos ali são operários. Mas na verdade, empregados e patrões misturam-se na linha de produção, em funções idênticas. Das 480 pessoas que trabalham na Uniforja, 286 são os proprietários da empresa.
Os antigos empregados assumiram a gestão da empresa, então chamada Conforja, em 1997, ao perceberem que a falência era iminente. Criaram uma cooperativa e mudaram o nome para Uniforja. O modelo inspirou os trabalhadores de outras duas empresas na mesma situação, uma em Mococa e outra em Salto, ambas no interior de São Paulo.
Embora distantes geograficamente, as três cooperativas têm muito em comum. Elas foram fundadas por grupos familiares que foram à ruína, atuam no ramo metalúrgico, fabricam produtos semelhantes e seus principais clientes são grandes multinacionais. Nos últimos anos, uma conquista em comum também serviu de impulso à atividade do trio: a obtenção de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Nos três casos, os recursos do BNDES foram liberados durante as gestões do PT no governo federal. A Uniforja, de Diadema, obteve dois financiamentos durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Já a Copromem, nome da cooperativa de Mococa, e a Metalcoop, de Salto, conseguiram a liberação dos empréstimos no governo de Dilma Rousseff.
A Uniforja, que saiu na frente nos pedidos ao BNDES, e também nesse caso inspirou as outras duas cooperativas, está em festa, pois acaba de quitar a última parcela do primeiro financiamento, de R$ 28 milhões, obtido há dez anos. Essa empresa já está no segundo empréstimo, de R$ 15 milhões, liberado pelo BNDES em 2006.
Em geral, empresas recorrem ao BNDES quando planejam investir em expansão industrial ou compra de máquinas. Mas no caso de cooperativas, como a história costuma envolver falências das antigas empresas, o dinheiro serve, antes de mais nada, para salvar a atividade, evitar despejo e até quitar débitos trabalhistas dos próprios cooperados e ex-funcionários.
No caso da Uniforja, o primeiro financiamento nem passou pela empresa. “Sequer vimos a cor do dinheiro; o empréstimo do BNDES seguiu direto para a massa falida”, diz, com bom humor, o presidente do conselho, João Luis Trofino. A falência da antiga Conforja foi decretada em 1999, dois anos depois da criação da cooperativa.
Com a transferência do dinheiro para a massa falida, os cooperados conseguiram comprar o patrimônio da empresa, que até então arrendavam, e o juiz ainda conseguiu autorizar a quitação dos créditos trabalhistas, tanto dos cooperados como de ex-funcionários que não quiseram integrar a cooperativa.
No caso da Copromem, a cooperativa de Mococa, a maior parte dos R$ 30 milhões do BNDES servirá para a construção de uma nova fábrica, que deverá ser inaugurada em outubro. Quando a antiga empresa faliu, em 1999, os cooperados passaram a pagar aluguel para a massa falida, masas corriam o risco de serem despejados em 2015, prazo fixado pelo juiz.
O presidente da Copromem, Pedro Luiz de Souza, não vê a hora de inaugurar o novo prédio, numa área industrial cerca de 10 quilômetros do atual. Os 13 anos de trabalho na cooperativa foram mais do que suficientes para lhe ensinar que o empreendedor de sucesso também tem de aprender a eliminar desperdícios. Em terreno acidentado, o layout da fábrica atual desfavorece o fluxo contínuo da produção. “Detectamos que um único processo chega a percorrer 1.300 metros até ser concluído”, diz Souza.
Apertada em meio à cidade, que cresceu em volta, a antiga fábrica também não oferece área para refeições. Com refeitório previsto na obra, na nova fábrica ninguém mais vai ter que se deslocar até a própria casa para almoçar, como faz a maioria hoje.
O destino que a Metalcoop, de Salto, deu ao financiamento que obteve do BNDES é ainda mais incomum. O dinheiro foi usado nos leilões para arrematar instalações e máquinas pelo grupo de diretores dos cooperados. Ao contrário das outras duas, a Picchi, antiga empresa que deu origem a essa cooperativa, não foi à falência. No dia em que a direção confessou aos empregados que não tinha mais condições de cumprir as obrigações, em meados de 2002, os empregados propuseram um sistema de co-gestão, com arrendamento do parque fabril por uma cooperativa de empregados. “Para se livrar do problema, a empresa jogou a toalha”, afirma o presidente do conselho e diretor financeiro da Metalcoop, Mauro Alves Martins.
Mas o risco de perder tudo surgiu quando começaram a aparecer os processos trabalhistas contra a antiga empresa. A Justiça começou a fazer a penhora e a leiloar os bens, incluindo o prédio da fábrica. Os cooperados foram aos leilões e não deixaram escapar nada. Com as dívidas aumentando, decidiram recorrer ao BNDES. Depois de vários meses de análise, em novembro de 2011, a instituição liberou os R$ 7 milhões que serviram para recuperar a saúde financeira da cooperativa.
Os motivos dos fracassos de empresas que se transformam em cooperativas são parecidos. Em geral, são grupos familiares, cujas histórias de sucesso e projeção no mercado não vão além da primeira geração. Segundo os cooperados, o fundador da Conforja era bom empresário e bom patrão. José Cavalieri, operário à época e cooperado hoje, lembra que ele trazia até caixas de batatas da fazenda para distribuir para os empregados. A empresa tinha máquinas com alta tecnologia, importadas da Alemanha, e o domínio de processos únicos lhe garantia grandes clientes no mercado interno e exportações para todo o mundo. Mas quando a segunda geração assumiu o comando, não só a Conforja como todas as demais 15 empresas da família foram à bancarrota.
Martins, da Metalcoop, lembra que o fundador da antiga empresa costumava ir à Europa, estudava processos e voltava com novas tecnologias e prensas inglesas de última geração. “Mesmo sendo empregados, percebíamos que a empresa era viável por ser pioneira em forjados a frio. Alguns clientes chegavam a bater à porta pedindo para comprar”, diz.