Papéis de crise do governo Sarney foram destruídos

Documentos indicariam quem ordenou a invasão do Exército à Companhia Siderúrgica Nacional, no RJ

Greve de 1988 terminou com três metalúrgicos mortos; destruição de documentos era permitida, diz Exército 

Folha de S.Paulo
RUBENS VALENTE
DE BRASÍLIA

Documentos sigilosos que poderiam elucidar uma das principais crises militares do governo José Sarney (1985-1990) foram destruídos, de acordo com o Comando do Exército brasileiro.

Em resposta a um pedido feito pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação, o Exército informou que foram eliminados todos os relatórios produzidos por sua área de inteligência sobre a invasão, pelas Forças Armadas, da sede da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) de Volta Redonda (RJ).

A invasão foi feita em 9 de outubro de 1988 para encerrar uma greve iniciada dois dias antes, e culminou na morte a tiros de três metalúrgicos e no ferimento de dezenas de trabalhadores.

Os papéis sobre Volta Redonda poderiam solucionar um dos maiores mistérios do episódio: se, e em que termos, Sarney, hoje presidente do Senado, de fato concordou pessoalmente com a invasão militar à siderúrgica.

Na edição de 27 de novembro de 1988, a Folha noticiou que a ordem para a invasão partiu do próprio presidente, em cumprimento a uma ordem judicial.

No dia seguinte, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) informou que, se confirmada, a notícia poderia gerar um pedido de impeachment do então presidente por revelar “o despreparo” do governo em lidar com a questão.

“Quem ordenou a invasão é a pergunta que todo mundo faz”, afirma Bartolomeu Citeli, um dos diretores do sindicato na greve de 1988.

“Foi um ataque violentíssimo, foi uma guerra. E o comandante do Exército não poderia ter autorizado se não tivesse a autorização do comandante-em-chefe das Forças Armadas, o presidente [Sarney]”, disse o advogado João Nery Campanário, que na época defendia o sindicato dos metalúrgicos.

LEGALIDADE

Ao saber pela Folha o que aconteceu com os documentos, Bartolomeu Citeli pediu a “responsabilização criminal” dos militares.

De acordo com o Exército, entretanto, a destruição era permitida pela legislação da época -uma herança da ditadura militar que permitia inclusive destruir os papéis que atestaram a eliminação dos documentos.

O caso se assemelha à questão dos papéis sobre a Guerrilha do Araguaia, maior foco armado contra a ditadura, que o Exército também alegou ter destruído.

Integrantes da Comissão da Verdade, colegiado criado pelo governo federal para investigar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988, em especial no regime militar (1964-1985), têm afirmado que a eliminação de papéis sigilosos sobre o Araguaia foi ilegal.

Isso porque não houve o cumprimento de todas as determinações das normas que possibilitaram a destruição, segundo sustentam os membros da comissão.

Também foram eliminados os papéis sobre a destruição a bomba de um monumento erguido pelo arquiteto Oscar Niemeyer em memória dos mortos na invasão da CSN, segundo o Exército.

Procurado por meio de sua assessoria, José Sarney não se pronunciou.

 

Colaborou LUCAS FERRAZ, de Brasília