Em meio à polêmica sobre auxílio-moradia, Moro, Bretas e magistrados criticam mudanças nas aposentadorias em carta à presidente do STF
por Miguel Martins
Rechaçada por grande parte dos brasileiros, a reforma da Previdência também é impopular no Judiciário e no Ministério Público. Na quinta-feira 1º, a Associação de Juízes Federais (Ajufe) enviou uma carta à Carmén Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, como parte de uma campanha de diversas entidades de magistrados e procuradores contra as mudanças nas aposentadorias.
Assinada por Sérgio Moro, Marcelo Bretas e outros 1429 juízes federais, a “Carta Aberta pela Valorização da Magistratura Nacional” critica o “teor predatório” da reforma e alerta para a retirada da integralidade dos subsídios dos magistrados, especialmente daqueles que ingressaram na carreira antes de 2003.
A última proposta de reforma, apresentada em novembro do ano passado, prevê aos juízes, procuradores e demais servidores federais que ingressaram naquele ano uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres se quiserem ter a aposentadoria integral, equivalente ao salário da ativa.
No Brasil, um juiz federal tem salário inicial de quase 29 mil reais. Em tese, o valor não pode exceder 33,7 mil, valor dos vencimentos dos ministros do STF, mas na prática há vários casos de descumprimento da regra no Judiciário. Uma aposentadoria desse valor já equivaleria ao benefício máximo de seis profissionais da iniciativa privada, que seriam submetidos à mesma idade mínima caso a reforma fosse aprovada nos atuais moldes.
Apesar de o governo de Michel Temer insistir que o objetivo da reforma é cortar privilégios, a pressão das entidades pode surtir efeito. Embora mostre desânimo sobre as chances de aprovação da proposta na Câmara, o relator Arthur Maia (PPS/BA) pode incluir modificações que atendam às demandas dos magistrados e demais servidores que ingressaram antes de 2003. Segundo relatos da mídia, uma regra de transição mais benéfica estaria em debate.
Se aprovada, a exigência de 65 anos para a aposentadoria integral atingiria diversos magistrados e procuradores de renome. Responsável pela Lava Jato em Curitiba, Moro ingressou na carreira em 1996. Bretas, que lidera a força-tarefa da operação no Rio de Janeiro, tornou-se juiz no ano seguinte.
A dupla envolveu-se recentemente em uma polêmica sobre o pagamento de auxílio-moradia a integrantes do Judiciário e do Ministério Público. Em 2014, uma decisão de Luiz Fux, ministro do STF, determinou a extensão do benefício, antes restrito a algumas categorias, a todos os juízes e procuradores do País, que passaram a acumular a verba apesar de possuírem imóvel próprio, caso de Bretas e Moro.
Criticado, o juiz responsável pela Lava Jato no Rio defendeu-se no Twitter: “Talvez desse ficar chorando num canto, ou pegar escondido ou à força. Mas como tenho medo de merecer algum castigo, peço na Justiça o meu direito.” Moro seguiu uma outra linha de raciocínio: segundo ele, a medida compensaria a falta de reajuste dos servidores desde 2015. Naquele ano, Dilma Rousseff vetou o aumento.
Segundo a Ajufe, os gastos com a Previdência de juízes federais em 2016 foram de 98,3 milhões de reais, destinados a 268 aposentados e 85 pensionistas. Em média, os beneficiados recebem, portanto, pouco mais de 23 mil reais por mês.
Um dos argumentos dos magistrados federais contra a reforma é o fato de a Previdência dos juízes ser superavitária. De acordo com a associação, os juízes federais ativos e inativos contribuíram com quase 214 milhões de reais, um valor 116% acima do necessário.
Se comparado aos aposentados, o alto número de juízes da ativa, 2,3 mil, ajuda a explicar o superávit na relação entre contribuições e despesas previdenciárias dos magistrados. Há, porém, uma questão de fundo: os alto custo dos magistrados do País para o Estado. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o gasto mensal médio com cada juiz da ativa ou aposentado é superior a 47 mil reais.
Críticas à reforma da Previdência desde 2016, quando foi apresentada a primeira proposta, diversas entidades do Judiciário e do Ministério Público não se restringiram a defender seus próprios interesses, ao apontarem a precariedade da seguridade social no Brasil e o risco do aumento à pobreza. Na carta à presidente do STF, o corporativismo, tão estridente na polêmica sobre o auxílio-moradia, foi novamente agudo.