Por Daniel Rittner | De Brasília
O relatório do senador Eduardo Braga (PMDB-AM) que será apresentado nesta semana, à comissão parlamentar responsável pela análise da medida provisória de reforma dos portos, deverá conter pelo menos três mudanças importantes no texto originalmente enviado pelo governo ao Congresso: a renovação dos contratos de arrendamento anteriores a 1993, a prorrogação antecipada dos contratos de terminais de contêineres posteriores a 1993 e a autorização expressa a terminais-indústria como portos privados.
As correções planejadas por Braga, depois de ter trabalhado quase dois meses em uma costura política que pudesse reduzir o nível de tensão em torno da MP 595, acolhem a essência dos pedidos empresariais. Ele já havia atuado, no mês passado, para viabilizar um acordo com os trabalhadores capaz de reverter o anúncio de greve nos portos.
Braga, líder do governo no Senado, diz que o texto de seu relatório não está redigido. “Mas os conceitos estão na minha cabeça”, afirma. Na quinta-feira, ele bateu os principais pontos com a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Hoje, planeja discutir os detalhes em uma reunião não só com Gleisi, mas com os ministros Leônidas Cristino (Secretaria de Portos) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais). Apesar das questões polêmicas, que “muitas vezes apontam até conflitos de interesse”, o senador acredita ter feito uma ginástica necessária para facilitar a aprovação da MP. “Deu muita enxaqueca”, diz Braga, garantindo não ser apenas uma força de expressão.
A primeira mudança diz respeito aos contratos de arrendamento, em portos públicos, anteriores a 1993. O texto elaborado pelo Palácio do Planalto previa a licitação de mais de 50 terminais com contratos vencidos ou prestes a vencer. Foi uma decisão tomada horas antes do anúncio do pacote de reforma dos portos, no dia 6 de dezembro, e demorou justamente porque havia forte divisão dentro do governo sobre o assunto.
Os empresários ofereciam investimentos de R$ 10 bilhões em troca da adaptação dos contratos à Lei 8.630, de 1993 (Lei dos Portos), um divisor de águas do setor. Com isso, pretendiam ganhar mais tempo para operar esses terminais, mas prevaleceu a corrente que defendia a exigência de licitações. Nas últimas semanas, a Secretaria de Portos já vinha, inclusive, preparando o leilão de arrendamentos vencidos em Santos (SP) e em Belém (PA).
Braga decidiu mexer nesse ponto. Ele pretende incluir a renovação dos contratos pré-1993 na MP, permitindo mais dez anos de arrendamento das áreas, desde que os operadores portuários façam investimentos na ampliação dessas instalações durante os três primeiros anos do novo período contratual. Com essa exigência, pretende-se conseguir um dos maiores objetivos do pacote de reforma dos portos – a modernização do setor -, sem passar pelas incertezas jurídicas de um extenso processo licitatório. Alguns arrendatários de terminais já haviam obtido liminares contra o fim de suas operações.
Para o senador, a preocupação com um eventual colapso no sistema de abastecimento de combustíveis foi decisiva para promover a mudança no texto do governo. Nas regiões Norte e Nordeste, muitos terminais portuários fazem a tancagem de gasolina, diesel e etanol das empresas do setor – inclusive da Petrobras. Se a operação trocasse de mãos, corria-se um risco de desarranjo nesse mercado, segundo alerta de especialistas que foi acatado por Braga.
Por uma questão de equilíbrio, nas palavras do senador, os terminais em portos públicos arrendados pela iniciativa privada depois de 1993 também vão ganhar a possibilidade de renovar antecipadamente seus contratos. Essa medida deve agradar principalmente aos donos de terminais de contêineres. Eles vinham se queixando da falta de isonomia competitiva com os portos privados, liberados pela MP sem nenhuma obrigatoriedade de ter carga própria. Os privados têm que construir suas instalações da estaca zero e não se beneficiam de obras públicas, como canais de acesso e dragagens, mas não precisam pagar nenhuma outorga à União e nem se submetem às amarras dos órgãos gestores de mão de obra.
Braga pretende dar a alternativa de renovação antecipada dos contratos a todos as empresas com arrendamento expirando nos próximos dez anos. Normalmente, os contratos licitados depois de 1993 tinham duração de 25 anos (renováveis por 25 anos), mas a renovação só seria discutida de 24 a 36 meses antes do vencimento da primeira parte.
Quando foram leiloados, esses terminais recebiam navios relativamente pequenos, para os padrões atuais. Agora, para receber supernavios, precisam de reformas que ampliem seus berços, por exemplo. O problema é que, sem a garantia de mais tempo para operar os terminais, as empresas se sentem inseguranças em investir por causa do prazo insuficiente de amortização.
Um dos casos emblemáticos é o da Santos Brasil, que pede a extensão do contrato de seu terminal em Santos, responsável por cerca de 55% da movimentação de contêineres do porto. O contrato de arrendamento foi assinado em 1997 e expira em 2022. A empresa se compromete a investir R$ 700 milhões imediatamente, em obras que vão permitir a atracação de supernavios e aumentar em 50% sua capacidade de movimentação no terminal, caso obtenha agora uma extensão do arrendamento.
A ideia de Braga é apenas permitir, no novo texto da MP 595, as renovações dos arrendamentos. Com a permissão legal para fazer isso, os operadores dos terminais terão que discutir valores de investimento como contrapartida, com a Secretaria de Portos.
A terceira mudança prevista pelo relator é para os terminais-indústria. Esse era um pleito de empresas que precisam de terminais portuários para completar sua cadeia logística e escoar a própria produção, como petroleiras e siderúrgicas.
Quando anunciou o pacote dos portos, Dilma liberou a construção de portos privados, sem a necessidade de carga própria. Exigiu, no entanto, que cada projeto de novo porto tivesse uma chamada pública por meio da qual empresas possam oferecer projetos alternativos. Essa exigência foi vista com apreensão por empresas que queriam a garantia de explorar terminais com 100% de carga própria. Braga prevê a dispensa de chamada pública em “situações muito restritivas”.
Se essas mudanças forem confirmadas no relatório do senador, a MP 595 se alinharia aos principais conceitos defendidos pelo empresário Jorge Gerdau, que articulou com as associações do setor um documento com pedidos de alterações no texto original. Ficaria, então, com o caminho aberto para ser aprovada na comissão parlamentar e seguir para votação nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado.