Por Claudia Safatle, João Villaverde e Monica Izaguirre | De Brasília
Após cinco horas de reunião com a presidente Dilma Rousseff, ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega voltou ao seu gabinete para terminar o novo modelo de remuneração das cadernetas de poupança que o governo anuncia hoje. A base da proposta do Executivo, que será encaminhada por medida provisória para o Congresso, é garantir à caderneta uma rentabilidade equivalente a 70% da taxa Selic. Discutia-se, ainda, a possibilidade de se fazer uma escala conforme o valor dos depósitos. Até determinada faixa (R$ 50 mil ou R$ 70 mil, por exemplo), o poupador receberia 80% da Selic e acima desse valor, 70%. Para as aplicações já existentes não deve haver qualquer modificação.
A divulgação da medida, que originalmente seria feita ontem, foi adiada para hoje. A presidente terá, à tarde, vários encontros para obter apoio político à alteração das regras da poupança. Primeiro, com o Conselho Político e, em seguida, com as centrais sindicais e empresários. Antes, porém, deverá ter uma nova discussão com Mantega para fechar o texto final.
Tratada com extrema cautela pela presidente, pelo impacto político que pode gerar a alteração na rentabilidade da principal aplicação do pequeno poupador, a caderneta acabou tornando-se um entrave para a queda da taxa básica de juros, a Selic.
Atualmente ela é remunerada por juros fixos de 0,5% ao mês (6,17% ao ano) mais a variação da Taxa de Referência (TR), hoje de 0,02%, e isenção do Imposto de Renda. Com a eventual redução da Selic para 8,5%, a TR deve cair para zero e a isenção do IR será preservada. Os depósitos já existentes permanecem com essa regra.
Essa garantia legal de remuneração da poupança transformou-se, porém, num piso para o Comitê de Política Monetária (Copom) cortar os juros. As cadernetas, com a Selic em 8,5% ao ano, são mais competitivas do que as aplicações em fundos de investimentos e em títulos públicos.
Da forma como está hoje, o rendimento da poupança equivale a 68,5% da Selic (de 9% ao ano). Caso os juros caiam para 8,5% ao ano e a poupança tenha seu rendimento atrelado a uma taxa com 80% da Selic, a correção da caderneta seria de 6,8% ao ano – superior, portanto, aos 6,17% atuais. Com 70% da Selic, o reajuste passa a ser de 6,3%,
Na semana passada, Dilma pediu a Mantega que fosse “criativo” na elaboração de propostas.
A discussão mais imediata que surge em torno das mudanças na poupança é o que acontecerá com os recursos que financiam a habitação. Teotônio Rezende, diretor de habitação da Caixa Econômica Federal, diz que a mudança do cálculo preserva a atratividade da poupança como investimento justamente porque será atrelada à taxa básica de juro, que remunera os títulos públicos.
A velha discussão sobre a insuficiência do “funding” de poupança para garantir as concessões de crédito imobiliário nos próximos anos permanece. Para Fabio Nogueira, da Brazilian Finance & Real Estate (adquirida pelo banco PanAmericano), com a queda da taxa de juros, a poupança naturalmente perderá importância no financiamento imobiliário. “Os juros mais baixos já abrem espaço para as fontes alternativas de crédito para a habitação”, explica.
Para João Paulo Pacífico, sócio da securitizadora Gaia, do lado do tomador do financiamento habitacional, a poupança atrelada à Selic vai exigir que as pessoas tenham algum grau de segurança em relação à estabilidade da taxa básica. Se os juros subirem rapidamente, por exemplo, o valor da parcela das pessoas pode explodir.
Do lado do poupador, para Alberto Borges Mathias, professor da Universidade de São Paulo, a mudança preserva uma parte da simplicidade da aplicação da poupança, mesmo que venha com as escalas, o que preserva a atratividade para o pequeno poupador.
Lauro Emilio Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças da Fundação Getúlio Vargas, acredita que a mudança talvez faça sentido em um período de transição, já que não soluciona o fato de a poupança ser uma aplicação pós-fixada. Segundo ele, aplicações pós-fixadas comprometem a eficácia da política monetária.
Na avaliação de fonte ligada a um banco, a mudança não deve ter grande impacto para as instituições financeiras. De um lado, a medida vai reduzir a rentabilidade que os bancos vão pagar aos aplicadores da poupança, mas de outro o governo quer forçar os bancos a baixar as taxas de administração dos fundos.
(Colaboraram Carolina Mandl, Talita Moreira, Aline Lima e Felipe Marques)