Levantamento do G1 mostra adesões a PDVs e programas de aposentadoria incentivada em 11 estatais federais. Novos planos anunciados podem gerar mais de 22 mil cortes adicionais.
A onda de demissões chegou também nas estatais. Diante das limitações legais para promover o corte de pessoal, as empresas públicas estão recorrendo a Planos de Demissão Voluntária (PDV) ou a programas de aposentadoria incentivada para enxugar a folha e, assim, tentar aliviar o caixa. Levantamento feito pelo G1, a partir de informações do Ministério do Planejamento e das próprias empresas, mostra que os programas de desligamento lançados tiveram a adesão de 37.626 funcionários em 11 estatais entre 2015 e 2016.
E o número deve aumentar. Alguns dos programas seguem com inscrições abertas e estatais como Caixa Econômica Federal, Correios e Eletrobras já anunciaram que lançarão novos PDVs que, juntos, podem representar mais de 22 mil cortes adicionais.
Em tempos de recessão e rombo recorde nas contas públicas, o governo tem incentivado esses programas, até mesmo para tentar afastar a necessidade de aporte federal em empresas em dificuldades financeiras, como Correios e Eletrobras.
Segundo o Ministério do Planejamento, entre 2015 e 2016, foram autorizados planos de desligamento incentivados em estatais com previsão de alcance de 38.512 funcionários. A Petrobras, que não precisa de aval da pasta para anunciar esse tipo de programa, lançou um PDV para um público-alvo de 12 mil empregados no ano passado e conseguiu a adesão de 11.720 (98%).
Os maiores planos de dispensa autorizados nos 2 últimos anos, além do da Petrobras, foram do Banco do Brasil (BB), com autorização para corte de até 16.208 empregados e dos Correios (8.200), com adesões de 89% e 98%, respectivamente. Em estatais como Correios e Banco da Amazônia a adesão foi menor, abaixo de 40%.
A maioria dos desligamentos incentivados nos 2 últimos anos refere-se a planos de aposentadoria incentivada, voltados a trabalhadores que já estavam aposentados pelo INSS ou com mais de 50 anos de idade. Mas empresas como Caixa e Correios já anunciaram que pretendem lançar agora um programa de demissão voluntária, com uma oferta de uma espécie de “salário-demissão” para incentivar as adesões.
Número de empregados cai 4% em 2 anos
Segundo dados do Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, o número total de funcionários empregados em estatais federais caiu de 494.370 no final de 2014, antes do início da onda de programa de desligamentos incentivados, para 473.292 até outubro de 2016 (último dado disponível), o que representa uma queda de 4,3%.
Trata-se do terceiro ano consecutivo de queda no quadro de funcionários em estatais federais. O pico dos últimos 20 anos foi registrado no final de 2013, quando o total chegou a 502.226 empregados.
Nos últimos 2 anos, considerando todas as contratações e demissões, o saldo líquido de quadro de funcionários em estatais ficou negativo em 21 mil no acumulado até outubro do ano passado.
O Ministério do Planejamento é o responsável por determinar o limite máximo de funcionários em cada estatal, cabendo à Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) autorizar os planos de desligamento solicitados pelas empresas. “Temos estabelecido como requisito para a aprovação do plano a redução do quadro de pessoal das empresas em quantitativo próximo ao número de empregados que aderiram ao plano, bem como outras contrapartidas no sentido de racionalizar e reduzir a estrutura organizacional da empresa”, informou a secretaria.
Estatais seguem tendência do setor privado
As medidas de enxugamento das estatais são bem recebidas pelo mercado, e o volume de desligamentos tem surpreendido.
“A crise chegou e obrigou as estatais a fazer isso. Não tenho memória de algo parecido neste volume”, afirma o consultor de empresas especialista em reestruturação Riccardo Gambarotto, sócio da RGF Associados.
Ele explica que a folha de pagamento costuma representar um dos maiores custos das empresas e que programas de incentivo ao desligamento voluntário de funcionários costumam ser o primeiro passo de qualquer processo de reestruturação. “É o que toda empresa faz para aumentar a produtividade. Você precisa de menos gente para fazer o mesmo trabalho”, diz.
O economista Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados, afirma que PDVs e programas de aposentadoria incentivada costumam ser as demissões menos traumáticas e também são normalmente utilizados pelo setor privado. “São sistemas que envolvem muitas vezes um jogo de ganha-ganha, porque oferecem uma mudança no horizonte no tempo de aposentadoria ou o pacote permite que o funcionário se replaneje profissionalmente. Do outro lado, permite que a empresa troque um gasto no curto prazo por uma boa economia no médio e longo prazo”, explica.
Segundo eles, a maior diferença entre programas de dispensa incentivada no setor público e no setor privado é que no primeiro há uma série de limitações legais que restringem a transferência de funcionários entre diferentes áreas, o que exige maior diálogo com os funcionários antes da formatação e lançamento dos PDVs, de forma a evitar perda de eficiência ou esvaziamento de algum setor.
Ajuste fiscal e busca por maior eficiência
Para os especialistas, as estatais também precisam contribuir para o ajuste fiscal e para o reequilíbrio das contas públicas. “Acabou o dinheiro. A farra terminou. Está todo mundo quebrado, o estado está quebrado e não tem onde pedir dinheiro. Então tem que fazer o ajuste, ainda que forçadamente”, diz Gambarotto, lembrando que o corte de vagas tem sido generalizado no setor privado.
Dados do Ministério do Trabalho mostram que o país perdeu 858 mil postos formais de trabalho no ano passado. Já são 20 meses seguidos em que o número de demissões supera o de contratações. O fechamento de vagas com carteira assinada contribuiu para o aumento do desemprego, que atingiu uma taxa de 11,9% em novembro e já afeta mais de 12 milhões de pessoas.
Para Oliveira, diante da baixa produtividade e ineficiência das estatais, o movimento de cortes e enxugamento precisaria ser ainda mais abrangente e deveria incluir também a privatização de algumas empresas. “Além da uma necessidade de colaborar com o ajuste fiscal nos próximos 3 a 4 anos, o Estado precisa ser mais enxuto e mais estratégico, o que requer menos pessoas e mais inteligência”, afirma.
O ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Dilma e pesquisador da FGV, Márcio Holland, lembra que só no âmbito federal são 154 estatais. “Não faz mais o menor sentido para o país ter tantos bancos públicos, nem empresas públicas tão ineficientes como os Correios, a Caixa, o Basa, a Eletrobras, muito menos diversas empresas públicas criadas para atuar a favor de poucos, como BBTur ou uma Infraero. Enxugamento de quadro de funcionários, aumento de suas eficiências e de prestação de serviços de qualidades, combinado com um amplo programa de privatizações são importantes medidas na agenda de reforma do estado brasileiro”, afirma.