Acordo feito pelo governo federal para encerrar a paralisação dos motoristas desagradou a vários setores e corre sérios riscos; empresas prometem ir à Justiça contra tabela de fretes e há avaliações de que fixar preço do combustível é inconstitucional
Menos de uma semana após seu lançamento, o pacote do governo para encerrar a greve dos caminhoneiros está ameaçado, por desagradar a outros setores e recorrer a medidas consideradas inconstitucionais. Se sobreviver e for implementado, ainda corre o risco de ser desmontado nos tribunais.
No Planalto, os auxiliares mais próximos do presidente Michel Temer temem pelo futuro das negociações, feitas sob pressão. E há grande preocupação com uma nova paralisação, apesar de agora o movimento não contar mais com o apoio das transportadoras. O medo é em relação aos grupos mais radicais de caminhoneiros autônomos.
O governo recuou nesta quarta-feira, 06, da medida de maior visibilidade do pacote, o desconto de R$ 0,46 no litro do diesel. Em entrevista à rádio CBN, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, admitiu que o corte será menor: R$ 0,41. O argumento é que o desconto só incide sobre o derivado de petróleo, mas o que é comercializado nos postos contém 10% de biocombustíveis, sobre o qual não houve corte. O raciocínio, porém, é refutado pela Aprobio, a associação dos produtores de biodiesel, que dizem que o corte prometido se refere ao produto na saída da refinaria.
Além disso, após prometer o uso do “poder de polícia” para garantir o repasse do desconto aos consumidores, o governo passou a admitir, internamente, que as multas aplicadas pelos Procons pela ausência do repasse podem virar alvo de batalha na Justiça, já que o preço dos combustíveis é livre. “Se multar, a Justiça derruba no dia seguinte”, disse Arthur Rollo, ex-secretário Nacional do Consumidor.
Uma fonte do Palácio do Planalto avaliou que o governo perdeu o controle sobre outra questão que gerou grande pressão durante a paralisação: a periodicidade do reajuste dos combustíveis. Depois de muitas declarações desencontradas e do pedido de demissão de Pedro Parente da Petrobrás, a questão foi entregue à Agência Nacional de Petróleo (ANP), para uma consulta pública – envolvendo não apenas o diesel, mas todos os combustíveis. Para esse interlocutor do presidente Temer, agora só resta “ficar na torcida”.
A tabela do frete mínimo, outra antiga reivindicação dos caminhoneiros atendida no auge da crise, está em revisão por pressão do agronegócio, segundo informou o ‘Estado’ em sua edição desta quarta-feira. No Planalto, há temor em contrariar um lado ou outro da disputa. A avaliação, além disso, é que o tabelamento é inconstitucional, porque fere o princípio da livre concorrência. Por isso, entidades empresariais consideram derrubar a tabela nos tribunais, se não ficarem satisfeitas com a revisão.
Outra medida adotada em função da greve que gera dor de cabeça é a isenção de pedágio sobre os eixos suspensos de caminhões vazios nas rodovias concedidas por Estados e municípios. As concessionárias deixaram de cobrar o pedágio, mas vão ficar com um buraco nas contas. E vão pedir medidas para reequilibrar seus contratos. São Paulo, que detém perto de 60% da malha afetada pela medida, já disse que vai cobrar a conta do governo federal (em torno de R$ 60 milhões por mês). A isenção do pedágio, determinada pelo governo federal sobre concessões que são de outras esferas de governo, também pode ter sua constitucionalidade questionada.
Para o ministro dos Transportes, Valter Casimiro, o acordo continua porque o governo está cumprindo o que prometeu. Ele disse ainda que o Ministério dos Transportes mantém um “fórum permanente” para tratar do tema e não houve ameaça pelos caminhoneiros de retorno à paralisação nas estradas porque foi demonstrado que “o governo cumpriu na redução do preço, da previsibilidade do preço, da não cobrança do eixo suspenso nas praças de pedágios das rodovias estaduais e na elaboração da tabela de preço mínimo de fretes”.