O aumento forte de preços, ao lado da desaceleração da atividade e da alta do desemprego, tem derrubado os ganhos reais dos reajustes de salários neste ano. Parte das negociações com data-base no primeiro semestre acompanhadas pelo Valor chegou a fechar percentuais nominais próximos aos de 2014 nas campanhas – descontada a inflação, entretanto, algumas chegam a registrar perda real. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), principal indexador das remunerações, acumula alta de 9,31% nos 12 meses encerrados em junho, o maior percentual desde dezembro de 2003.
A média parcial do balanço dos reajustes salariais do primeiro semestre feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta para um ganho real médio de 0,8%, abaixo, portanto, do 1,54% registrado no mesmo período do ano passado. Os dados parciais levam em conta cerca de 160 convenções já analisadas pelo Dieese. O levantamento completo será divulgado na segunda quinzena de agosto, com informações de 340 negociações.
A expectativa, segundo José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais da entidade, é que a recessão deste ano não se manifeste apenas na redução dos percentuais dos reajustes, mas também na proporção de acordos com reajuste acima do INPC. No ano passado, 92% tiveram aumento real, em média de 1,39%.
“Além da atividade, a inflação está contando muito neste ano”, diz Silvestre, lembrando que a alta do índice no acumulado em 12 meses passou de 7,13% em janeiro para 9,31% em junho. No mesmo período do ano passado, o percentual era de 6,06%.
Dados do Dieese do Rio Grande do Sul e Santa Catarina mostram que, entre 40 categorias com data-base de janeiro a maio nos dois Estados, 35 tiveram ganhos reais menores do que em igual período de 2014, incluindo 6 que receberam apenas a variação do INPC acumulada em 12 meses e uma que fechou com índice abaixo da inflação. Entre janeiro e junho, o número de categorias nos Estados com menos de 1% de ganho real passou de 12 para 25.
Os empregados do setor têxtil de Brusque estão dentro desse grupo. Com data-base em maio, pediram aumento de 12%, mas acabaram aceitando 8,7%, o equivalente a 0,33% de ganho real, ante 1,12% em 2014, porque “o quadro não está bom”, admite o vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem (Sintrafite), Altair Stofela.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de São Bento do Sul, Airton Martins de Anhaia, entende que o INPC elevado atrapalha as negociações, porque as empresas alegam a alta de custos com matérias-primas e ameaçam demitir se houver concessão de aumento real de salários. O índice fechado neste ano, de 9%, está 0,6% acima da inflação – desempenho também inferior ao de 2014, de 1,12%.
Os metalúrgicos de Joinville tiveram perda real de 2,23%, contra alta de 1,31% no ano passado, descontada a inflação. O sindicato da categoria iniciou a campanha em abril pedindo 5% acima do INPC acumulado de 8,42%. As empresas acenaram com reajuste total de 4%, com abono de R$ 800, e fecharam proposta final de 6%, mais R$ 1.050 de abono, que os trabalhadores aceitaram para evitar que a negociação fosse a dissídio, diz o diretor da entidade, Celço Gioseli. “As demissões não aumentaram, mas algumas empresas estão em dificuldades, principalmente no setor de autopeças, e estão fazendo reduções de jornada”, afirma.
O supervisor técnico do Dieese no Rio Grande do Sul, Ricardo Franzoi, diz que os representantes das empresas estão inseguros com o cenário econômico e negociam focados em cortar custos. A possibilidade de redução da desoneração da folha de salários, que chegou a ser aprovada na Câmara dos Deputados e tramita no Senado, agravou o problema, afirma. O aumento da inflação dificulta os ganhos reais, e a expectativa é que os sindicatos patronais pressionem por acordos abaixo do INPC no segundo semestre, prevê Franzoi.
Segundo ele, enquanto alguns setores, como o automobilístico, enfrentam maiores dificuldades, outros, como os exportadores e o setor de alimentos, estão em situação mais favorável, mas o “discurso da crise” é empregado por todos. A inflação alta também aumenta a pressão das empresas pelo parcelamento dos índices e pela fixação de teto em reais para o reajuste.
Conforme o supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina, José Álvaro Cardoso, as negociações estão mais “duras” em 2015. As empresas têm alegado que a concessão de aumentos reais provocaria ondas de demissões e os trabalhadores preferem abrir mão dos ganhos para não arriscar o emprego, explica. Ele acredita que os acordos do segundo semestre serão semelhantes aos da primeira metade do ano, pois a inflação alta e o baixo crescimento serão resolvidos “muito lentamente”.
O acordo de 2015 do Sindicato da Construção Civil de São Paulo (Sintracon) foi o “o pior dos últimos 20 anos”, segundo seu presidente, Antônio de Souza Ramalho. Apesar do aumento nominal maior do que em 2014, de 8% para valores de até R$ 7 mil, os salários tiveram perda real de 0,7% e o tíquete-refeição – caminho alternativo para incrementar a remuneração – foi congelado.
A construção está entre os setores que mais demitiram no Estado neste ano. Sozinha, a região metropolitana perdeu quase 35 mil vagas com carteira nos 12 meses encerrados em maio, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O Sintracon representa cerca de 300 mil trabalhadores divididos entre a cidade de São Paulo e outros dez municípios.
No Rio, as obras ainda em andamento para a Olimpíada garantiram uma negociação menos dura, acredita Carlos Antônio Souza, à frente do sindicato da construção local. A primeira proposta patronal, de 4,5% – praticamente metade da inflação acumulada até a data-base, de 8,42% – elevou-se a 8,5%, mas está distante dos 9,5% de 2014. O ganho real de 0,1%, por sua vez, é bastante inferior aos “3%, 4% dos últimos dez anos”.
Mesmo com a margem de manobra proporcionada pelos Jogos Olímpicos, o trabalhadores do setor preferiram evitar uma greve na campanha deste ano, especialmente após o desfecho do dissídio dos garis, conta o sindicalista. Em 2014, uma paralisação de oito dias rendeu aos funcionários da Comlurb aumento nominal de 37% nos pisos. Neste ano, após pararem entre 13 e 20 de março, os garis cariocas acabaram aceitando a proposta de 8% intermediada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT). “Mesmo que a gente entrasse em greve, o tribunal dificilmente daria algo a mais que os 8%”, argumenta Souza.
Também protagonistas de grandes paralisações no ano passado, tanto os metroviários quanto os motoristas de ônibus de São Paulo tiveram aumentos menores em 2015. Os funcionários do metrô chegaram a dar indicativo de greve, mas aceitaram no dia 1º de junho a proposta de 8,29% intermediada pelo TRT. Levando em consideração o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fipe, utilizado na negociação, o aumento representa alta real de 1%. Deflacionado pelo INPC, entretanto, os salários sofreram perda real de 0,4%.
O setor de processamento de dados do Estado de São Paulo, que conta com 130 mil trabalhadores, viu os salários crescerem 7% neste ano, percentual próximo ao da inflação acumulada até a data-base da categoria, janeiro, e de 8,5% nos pisos. Antônio Neto, presidente do sindicato que representa a categoria, o Sindpd, também optou por evitar o desgaste da greve e garantir um reajuste que repusesse pelo menos a inflação. No ano passado, o aumento geral de 7,5% nos salários foi fechado apenas em fevereiro, depois de paralisações e audiências com o TRT.
Os cerca de 50 mil metalúrgicos da Bahia, com data-base neste mês, estão pleiteando avanço nominal de 15% nos salários, segundo Aurino Pedreira, à frente da federação que representa a categoria. O sindicalista reconhece que o emprego no polo de Aratu tem sofrido com a retração da atividade, mas defende que a situação é “mais confortável” em Camaçari, onde a Ford mantém uma fábrica desde 2002.
Os metalúrgicos de Caxias do Sul, com data-base em junho, também continuam negociando. O sindicato dos trabalhadores pediu a reposição do INPC de 8,76% mais 2%, ante o ganho real de 1,81% obtido em 2014, mas a resistência das empresas é “muito forte”, diz a diretora de comunicação da entidade, Ereni Melo. “Não há como dar aumento real neste ano”, afirma o presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico local (Simecs), Getúlio Fonseca. “Se aumentar [o salário] de um lado, aumenta o desemprego de outro. Temos que escolher o que dói menos”, afirma.