O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar hoje um julgamento que afetará milhares de aposentados no país e poderá trazer um rombo bilionário aos cofres públicos. Está na pauta dos ministros a polêmica “desaposentação” – solicitada por quem volta a trabalhar e, depois, pede um recálculo de sua aposentadoria a partir das novas contribuições.
Se a tese for acatada pelos ministros, aposentadorias e benefícios previdenciários de cerca de 480 mil pessoas poderão ser recalculadas, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2016. Está em trâmite por todo o país um total de 182,1 mil ações judiciais sobre o tema, de acordo com levantamento da Advocacia-Geral da União (AGU).
Uma dessas ações é de Julio Cesar Matheus que, com medo de ser prejudicado por uma reforma na Previdência Social, em 1997, resolveu se aposentar aos 40 anos. Por ter começado a trabalhar cedo, aos 14 anos, e pela exposição a produtos químicos, teve direito a aposentadoria especial de cerca de R$ 2 mil, em valores atualizados. O valor baixo o levou a continuar no mercado de trabalho. No ano passado, porém, foi demitido da indústria petroquímica, e agora aguarda a possibilidade de ter seu benefício revisto.
O impacto econômico para a União pode ser enorme. O processo é um dos 12 temas listados pela União na LDO. Na lista estão os processos de perda “possível”. A presença no relatório mostra que a ação preocupa a União. A estimativa apontada é de R$ 49,1 bilhões. Mas cálculos recentes da Previdência Social indicam que, nos próximos 30 anos, o impacto financeiro de uma decisão desfavorável pode chegar a R$ 181,8 bilhões.
A tese da desaposentação surgiu em 1999, com a implantação do fator previdenciário, que aumentou a idade mínima para obtenção da aposentadoria integral. Mas o assunto foi impulsionado mesmo em 2013, quando o STJ decidiu de forma favorável aos aposentados, segundo o advogado Murilo Aith, sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados. O escritório tem cerca de cinco mil ações sobre o assunto.
“O mais comum é a pessoa se aposentar e continuar na mesma empresa. É permitido no nosso país o aposentado continuar a trabalhar”, afirmou Aith. Segundo ele, as pessoas ainda estão com capacidade mental produtiva e continuam no mercado de trabalho. “O brasileiro se aposenta cedo porque começa a trabalhar muito cedo.”
No STF, há três ações sobre o assunto. Os julgamentos estão suspensos desde 2014, com um pedido de vista da ministra Rosa Weber. Por enquanto, quatro ministros já manifestaram suas posições, mas somente três votaram no processo em repercussão geral. Nele, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) recorre de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), favorável a um aposentado.
Antes do STJ, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região havia admitido o recálculo da aposentadoria pelo tempo total de contribuição, mas desde que o segurado devolvesse os benefícios recebidos a partir do momento em que voltou a trabalhar.
Dos quatro votos, há três propostas de soluções distintas para a questão. O ministro Dias Toffoli é contrário à desaposentação. Segundo ele, não há previsão legal para o recálculo. A prática, acrescentou no julgamento, incentivaria a aposentadoria precoce, e caberia ao Legislativo regulamentar o assunto, analisando o impacto econômico do tema. Foi o mesmo entendimento do ministro Teori Zavascki.
Uma segunda interpretação foi proposta pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator de um processo que começou a ser julgado em 2010. O voto foi favorável aos aposentados. Ele destacou que o beneficiário que volta a trabalhar para melhorar sua renda é obrigado por lei a contribuir novamente com a Previdência Social.
O relator do processo que está em repercussão geral, ministro Luís Roberto Barroso, propôs uma solução intermediária. Pela solução de Barroso, no cálculo da segunda aposentadoria seria aplicado o fator previdenciário -com alterações em algumas variáveis -, o que faria com que o valor do segundo benefício fosse superior ao primeiro, mas inferior ao montante calculado sem as restrições.
Barroso previu ainda que a proposta só valeria 180 dias após sua publicação. O intervalo serviria para que o Congresso Nacional, caso entenda necessário, possa formular norma específica sobre o assunto.
Na repercussão geral, votaram apenas Barroso, Toffoli e Teori Zavascki. A Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap) e o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) chegaram a pedir o adiamento do julgamento das ações, com base no envio da reforma da Previdência Social pelo governo. Até o fechamento da edição, os pedidos ainda não haviam sido analisados.