Mesmo em tempos de crise econômica, a cultura do desperdício segue presente no dia a dia de muitas empresas. Pensando em como contribuir para alterar essa realidade, a Gocil, que atua na terceirização de serviços profissionais de segurança e limpeza, selou parceria com ONGs (Organizações Não Governamentais) do Grande ABC para reaproveitar uniformes e criar emprego e renda. A cooperação gerou cerca de 300 empregos, sendo 25 diretos e o restante indiretos, em Santo André, São Bernardo e Diadema.
O projeto, batizado de Reforme, visa reutilizar as cerca de 24 toneladas de resíduos têxteis gerados por ano pela companhia, que antes eram incinerados. “Primeiro pensamos na sustentabilidade e na economia, já que são muitas toneladas descartadas, e é preciso ver a melhor forma de fazer isso. A ideia foi inspirada em iniciativas praticadas na Europa, com conceito parecido com a economia circular, em que o nosso resíduo não vira lixo, é reaproveitado”, conta o vice-presidente da Gocil Segurança e Serviços, Welder Peçanha.
Com essa proposta, a Gocil, fundada há 31 anos, deixa de gastar em torno de R$ 250 mil anuais com transporte, descarte e incineração do material.
O projeto que transforma lixo em outro material utilizável insere pessoas no mercado de trabalho e gera cerca de 25 empregos diretos e outros 270 indiretos. “A maioria das pessoas que estão nessas empresas e ONGs é de mulheres, há um empoderamento feminino. A Gocil é pioneira neste tipo de serviço aqui no Brasil e, por semana, o local pode receber de R$ 1.800 a R$ 2.250, dependendo do tipo de serviço (lavagem, transporte, corte, transformação, descaracterização) executado. O valor é dividido geralmente em três pessoas”, explica Alexandre Meza, sócio da Biotera Inteligência Sustentável nos Negócios, responsável pelo desenvolvimento do projeto Reforme.
Segundo Meza, nesse projeto fazem parte sete ONGs do Grande ABC, por exemplo, a SM Modas e Serviços (Diadema), que empregou três pessoas; Retece (Santo André), que possui sete pessoas na oficina têxtil; Charlotte (São Bernardo), com quatro atuantes também na oficina têxtil; e Nutrarte (São Bernardo), com três profissionais que lavam os uniformes. Adicionalmente, a empresa de logística Maxtrans (São Bernardo), emprega três pessoas para fazer coleta e transporte de resíduos.
O Reforme também beneficia 125 jovens, entre 15 e 17 anos, da Casa Lions de Adolescentes de Santo André, que participam da oficina têxtil. Eles recebem parcela dos uniformes e customizam as peças, com o apoio e a supervisão de costureiras e grafiteiros, entre outros profissionais. De acordo com Meza, eles são estimulados quanto ao empreendedorismo, à gestão financeira e à reutilização de materiais, além de sustentabilidade e conscientização ambiental.
A iniciativa favorece cooperativas e os locais recebem gratuitamente o material descartado, caso da ONG Retece, que existe desde 2009, e transforma os uniformes em bolsas térmicas, capas de agenda, roupas para cachorro etc. “O cliente (Gocil) nos manda os uniformes, e eles compram novamente esses produtos, que variam de valor. No projeto trabalham sete mulheres hoje, e o dinheiro é revertido para elas”, explica a coordenadora Alice Caires Meira Zonteiro.
A Charlotte também faz a venda direta dos itens que produzem. Junto com a Retece, já produziram mais de 5.000 peças. Neste ano, somente a Gocil já adquiriu cerca de R$ 80 mil em brindes, como bolsas térmicas. Outras empresas e pessoas físicas também podem comprar os produtos.
PASSO A PASSO – O processo de descarte sustentável começa quando as organizações parceiras retiram os resíduos gerados pelas unidades da Gocil, situadas em São Paulo, e fazem a descaracterização dos uniformes, ou seja, logos e emblemas são recortados dos tecidos e depois triturados. Em seguida, as peças são levadas para a higienização.
A partir daí, cada ONG e cooperativa fica responsável por uma etapa de transformação dos tecidos antigos em novos. Nas mãos de artesãos, sapatos, cintos, botões, bonés, coletes balísticos e todos os demais itens são transformados em outros produtos, como bolsas, carteiras, roupas, estofo de edredom, assim como demais acessórios.
Após reformados, os materiais são doados para instituições que cuidam de pessoas carentes, vendidos e isso gera renda para a ONG. “Nós fornecemos o material e pagamos para os locais descaracterizarem os uniformes. O produto final que vem delas, uma parte eu compro, outra fica de renda para elas venderem”, afirma o vice-presidente da Gocil. A expectativa dele é fazer com que isso se torne uma cultura no Brasil, já que em todo lugar são necessários fazer girar a economia, ajudar os desfavorecidos e pensar na sustentabilidade do planeta.
ECONOMIA CIRCULAR – O método de economia circular adotado pela Gocil tem conceito de que todos os componentes de um produto são criados para posteriormente serem reutilizados após o descarte. Neste ano, a Comissão Europeia impôs metas sustentáveis aos países do continente até 2030 e, entre elas, está a reciclagem de 65% de todo o lixo inorgânico gerado, de 75% de embalagens e dedução de 10% dos resíduos depositados em aterros.
Porém, no Brasil, novas políticas são criadas aos poucos, afinal, segundo o Sinditêxtil (Sindicato das Indústrias de Fiação e Tecelagem de São Paulo), cerca de 175 mil toneladas de resíduos têxteis são geradas anualmente, e 90% ainda são descartados de forma incorreta.