Conjuntura: Falta de mão de obra leva indústrias a recrutar trabalhadores sem experiência e em cidades vizinhas
Sérgio Bueno, Luciano Máximo e Júlia Pitthan, de Porto Alegre, São Paulo e Florianópolis
A escassez de mão de obra qualificada para a indústria levou o grupo Randon, fabricante de implementos rodoviários, vagões ferroviários e autopeças, a ser mais flexível na hora da seleção de novos funcionários. Indispensáveis em períodos normais, conhecimentos técnicos específicos, como leitura e interpretação de desenhos e metrologia, passaram a ser deixados de lado desde o início do ano, assim como o ensino médio completo para cargos mais simples, de auxiliares.
“Estamos usando até carros de som para oferecer vagas nos bairros de Caxias do Sul e na região”, afirma o diretor-executivo de administração e finanças do grupo, Luis Antônio Oselame. Com a falta de pessoal disponível na cidade-sede, a empresa também precisou aumentar de 930, há um ano, para 1,2 mil hoje, o número de funcionários recrutados em municípios situados num raio de até 80 quilômetros, relata a analista de recursos humanos Franciele Rigo.
A Randon não é exceção. A flexibilização de critérios e a ampliação do raio de contratação dos funcionários para municípios mais distantes têm sido comum. Com cerca de 400 vagas em aberto ? perto de 90% delas na área operacional ? a agroindústria Aurora, de Chapecó, em Santa Catarina, já não exige mais ensino fundamental completo dos candidatos ao cargo. Segundo o diretor de recursos humanos da empresa, Nelson Rossi, a alternativa é contratar mesmo sem formação ou experiência, e dar treinamento dentro dos frigoríficos.
“São cerca de três meses de treinamento na fábrica até um novo funcionário atingir o nível de um profissional com experiência”, diz Rossi. Em função da falta de disponibilidade de empregados, a Aurora também tem atravessados os limites dos municípios para buscar interessados em trabalhar. “Hoje, 20% dos funcionários vêm de cidades próximas às sedes dos frigoríficos”, conta o diretor.
A nova situação do mercado de trabalho custa tempo e dinheiro, mesmo sem provocar alterações na política salarial das companhias, diz o diretor da Randon. Tempo para treinar os novos empregados e para buscar e levar os funcionários “importados” de outras cidades, que perdem até mais de duas horas por dia na estrada. Dinheiro, para custear o aumento dos gastos com o transporte intermunicipal e, principalmente, com o treinamento dos que não chegam com as qualificações exigidas para os cargos que vão ocupar.
Oselame conta que, desde janeiro, o conglomerado contratou quase 1,7 mil pessoas, recuperando com folga as 1,5 mil demissões do período de crise no início do ano passado. Apesar disso, ainda existem 250 vagas nas linhas de produção. Dos novos contratados, 130 haviam sido afastados em 2009 e já estavam praticamente prontos para trabalhar. Mas metade do novo contingente teve que passar por um mês de treinamento, quando o período normal de preparação é de uma semana.
O novo programa de qualificação, criado no início do ano, custa R$ 1,5 mil por pessoa por mês, explica Oselame. O trabalho é desenvolvido no interior da empresa, por professores do Senai, que treinam grupos de 20 alunos de cada vez.” A demanda se intensificou nos últimos meses e hoje temos oito turmas em andamento, um número recorde”, revela Franciele. No total, a Randon tem 10,9 mil funcionários no Brasil (10,1 mil em Caxias do Sul) e 136 na Argentina.
Pesquisa da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD), com 429 empresas, mostra que 47,5% delas planejam elevar gastos com capacitação profissional este ano. Pouco mais de 48% das companhias consultadas – de diferentes setores e portes – pretendem manter os investimentos de 2009, enquanto menos de 4% dizem que devem cortar custos.
O levantamento também revela que o investimento em treinamento deverá subir, em média, 30% em 2010, para R$ 2.080 por funcionário em treinamento por ano. Vanderlei Cozzo, presidente da ABTD, explica que a admissão de trabalhadores com baixa escolaridade é uma situação conflitante, “mas necessária”. “Ameniza a necessidade de atender a uma demanda imediata do mercado. É um treinamento dentro do trabalho de aperfeiçoamento e adaptação. A empresa acaba arcando com o custo e também com o risco, que é relativamente controlável”, diz Cozzo.
A rede hoteleira Promenade Apart-hotéis, com oito unidades no Rio e seis em Belo Horizonte, planeja gastar este ano R$ 60 mil em cursos e seminários para seus 530 funcionários. “O valor é 50% superior ao investido em 2009. Como pretendemos contratar mais pessoal, já pensando na Copa e na Olimpíada, estamos trabalhando com amplo programa de reciclagem, principalmente em línguas”, diz a diretora Danielle Almeida.
Com a orientação de contratar mão de obra local, o grupo de engenharia e infraestrutura Advento planeja aumentar em 20% os gastos com capacitação e qualificação este ano. A companhia tem projetos em 15 Estados. No Espírito Santo, abriu uma escola no canteiro de obras de uma unidade da Vale. “O programa Viver e Aprender prepara para a parte técnica do serviço, e quando o trabalhador não está produzindo ele estuda”, relata Juan Quirós, presidente do grupo Advento e vice-presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib).
Na indústria, a maioria das empresas recorre ao Senai. Em 2009, a entidade registrou 2,3 milhões de matrículas em programas de formação inicial e continuada, cursos técnicos de nível médio e educação superior. Nos próximos cinco anos, as projeções apontam para uma demanda de 3 milhões de matrículas ao ano. Os setores mais visados são: construção civil, fabricação de alimentos e bebidas, artigos de vestuário e acessórios e fabricação de produtos de metal, máquinas e equipamentos.