Proposta de criação do Alto Comissariado para as Futuras Gerações tinha apoio da maioria dos países. Em lugar de negociar, Brasil elimina pontos de divergência
Foi eliminado do rascunho da declaração “O Futuro que Queremos” – apresentado ontem pelo governo brasileiro – o parágrafo sobre a criação de uma Ouvidoria ou Alto Comissariado para as Futuras Gerações dentro dos quadros das Nações Unidas. A proposta tinha apoio da grande maioria dos países e oposição de uma parte do grupo G77, que representa os países em desenvolvimento.
A nova instituição teria o papel de monitorar o sistema ONU em todas as suas instâncias, alertando sobre eventuais ameaças para as futuras gerações e promovendo a integração das diferentes agendas. Seria como um guardião do desenvolvimento sustentável. A exclusão da proposta, mesmo com alto fator de convergência entre as nações, corrobora a tese de que a liderança brasileira tem preferido eliminar desacordos a negociá-los.
“A impressão que dá, analisando o texto brasileiro, é que a opção foi pelo caminho mais seguro. Em lugar assumir o ônus da liderança e desafiar os participantes para avançar concretamente, o Brasil está optando por apresentar um texto mais aguado que oferece menor risco de colapso das negociações”, avalia Aron Belinky, coordenador de processos internacionais do Instituto Vitae Civilis.
Há dois dias, quando o Brasil assumiu oficialmente a presidência da conferência, a delegação nacional tornou pública a orientação de entregar um texto pronto, sem divergências, aos chefes de Estado. A negociação de alto nível começa no próximo dia 20, na abertura oficial da Rio+20. Para negociadores de segundo e terceiro escalão, costurar uma declaração política em tão pouco tempo é mais factível com a desistência de pontos ambiciosos, conforme antecipou o Instituto Vitae Civilis, em comunicado.
Para Belinky, a estratégia do governo brasileiro não só resulta em um texto inócuo, muito distante das medidas necessárias frente à crise socioambiental planetária, como esconde o jogo de interesses e entraves. “Um eventual colapso das negociações teria pelo menos uma vantagem: tornar visíveis os desacordos, quem se opõe a quê e por quê. É lamentável apresentar um consenso que, na verdade, apenas contorna o desafio real”.
O Alto Comissariado para as Futuras gerações é uma das inovações apoiadas pelo Vitae Civilis para o tema de governança, encabeçada pelo World Furture Council. Durante todo o processo, esperava-se um apoio maior dos representantes brasileiros, inclusive por afinidade com as práticas nacionais, considera Belinky: “O Brasil tem boas experiências nesse campo, como o Ministério Público, que incorpora um pouco desse conceito. Apesar disso, não teve uma postura proativa pra defender e garantir isso no texto final”.
Para saber mais sobre a proposta original, leia entrevista com Catherine Pearce, do World Future Council.
Fonte: Instituto Vitae Civilis