Facilidade na obtenção de crédito é responsável pelo endividamento. Gastos com transporte tiveram alta
PATRÍCIA BASILIO
Ainda faltam sete dias para o mês acabar e o salário de muitos trabalhadores já sumiu. Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009, divulgada na quarta-feira (23) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 75% das famílias viram o salário acabar bem antes do próximo pagamento. E para 88% das que ganhavam até R$ 830 mensais foi mais difícil fazer o dinheiro chegar ao fim do mês.
Com rendimento mensal familiar de R$ 2.641,63, os brasileiros gastaram grande parte da renda com habitação (29,2%), alimentação (16,1%), transporte (16%) e saúde (5,9%). Na alimentação, os produtos com mais peso no bolso do consumidor são as carnes e peixes (21,3%) e o leite e seus derivados (11,9%). Ao todo, a despesa média com comida por mês foi de R$ 421,72. Isso sem contar as refeições fora de casa, que comprometeram 31,1% da despesa geral com alimentos.
Segundo o presidente do instituto, Eduardo Nunes, esse movimento representa uma mudança de padrão do consumo das famílias brasileiras. “Além de observar esse peso de gastos com alimentação, outros componentes ganham lugar, como as despesas de habitação, os bens de consumo adquiridos para a casa e transporte”.
Em comparação com a pesquisa anterior — realizada há seis anos —, as despesas que tiveram maior crescimento foram as com transporte, construção civil, saúde e habitação. Os gastos com condução, por
exemplo, representavam 18,4% entre os anos de 2002 e 2003 e passaram a corresponder 19,6% em 2008/2009.
“O surpreendente foi que a educação perdeu peso nos últimos anos”, comenta Neri. Além disso, quanto mais educação a família tiver, maior será a sua despesa.
Segundo o estudo do IBGE, famílias com 11 anos ou mais de estudo gastaram, em média, R$ 4.314,92 por mês — o que representa três vezes mais do que as que investiram em qualificação durante menos de um ano (gasto de R$ 1.403,42).
De acordo com Wagner Silveira, coordenador de divulgação do IBGE, a facilidade na obtenção de crédito é a grande responsável pelos gastos excessivos dos brasileiros. “Hoje, quando uma pessoa vê um produto novo no mercado, têm a opção de parcelar a compra, o que antes
não era tão fácil”, comenta.
Apesar do número de famílias endividadas ainda ser grande, de 75%, há seis anos a média era maior (85%). “A desigualdade social teve queda nos últimos anos, mas a situação do Brasil ainda é ruim”, explica Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A raça ou cor da pessoa adotada como referência na pesquisa também é responsável pela variação das despesas. Famílias negras, por exemplo, gastaram quase duas vezes menos do que as brancas.
Conheça os gastos para economizar
Economizar é o desejo de todas as pessoas, mas poucas realmente conseguem fazer o salário chegar até o fim do mês. O grande motivo é a falta de controle dos gastos e planejamento.
De acordo com Alcides Leite, economista da Trevisan Escola de Negócios, o primeiro passo para não gastar dinheiro sem necessidade é conhecer as próprias despesas e dividí-las em grupos. Um exemplo é criar uma planilha para o carro e listar todos os gastos, como combustível, manutenção, lavagem etc. “Só assim a pessoa vai descobrir onde é possível economizar e onde o dinheiro é investido sem necessidade”, explica o especialista.
Além disso, usar a boa e velha calculadora nas compras do mês é uma boa saída para não se surpreender com uma conta alta no caixa. “Ajustar os gastos ao próprio orçamento é o grande mandamento de uma conta no azul”, aconselha.
Os cartões de crédito e empréstimos também são armadilhas para quem quer pagar as contas em dia, uma vez que os juros são extremamente altos e a dívida acaba crescendo acima das condições financeiras do consumidor.
“Procure sempre fugir das dívidas porque elas são muito caras”, afirma Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Para o especialista, planejar também é uma maneira eficiente de gastar apenas o necessário e até guardar dinheiro para futuros investimentos. Ou seja, anotar o que deseja comprar, mesmo sem condições financeiras no momento, é o primeiro passo para juntar a quantia suficiente mais rápido. “Hoje está mais fácil planejar porque a inflação foi controlada”, diz Marcelo.
Apesar de ser uma prática bastante comum dos brasileiros, comer em restaurantes ou em barzinhos consome uma boa fatia do orçamento familiar. Desta forma, optar por almoços em casa pode ser uma escolha mais adequada para quem pretende guardar algum dinheiro.
Controlada financeiramente, a secretária Natalia Roberta Fernandes, de 26 anos, anota todos os gastos para não se perder no fim do mês. Ela cancelou o cartão de crédito e aboliu o uso dos talões de cheque. “Já entrei em dívida e agora aprendi a só comprar à vista quando tiver dinheiro”, ensina.