Os funcionários públicos brasileiros ganham mais que os trabalhadores da iniciativa privada em todos os níveis de escolaridade, com a maior diferença ocorrendo entre os que têm o ensino médio. Nesse caso, a distância em 2015 ficou em 44,4%, na comparação do salário dos servidores com os empregados do setor privado.
Em Brasília, a diferença é bem maior, chegando a mais de 200% entre os que completaram o ensino médio, devido ao peso maior dos funcionários do governo federal, que paga mais. Os dados fazem parte de levantamento realizado pelo professor Nelson Marconi, da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da Fundação Getulio Vargas (FGV) com base nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.
Para Marconi, os dados mostram que “permanece uma distorção nos salários dos servidores públicos que não se justifica”. Ele considera que um pequeno “prêmio” pode fazer sentido para que o setor público contrate trabalhadores de maior qualidade, mas não é o caso de diferenças muito expressivas, como as registradas especialmente no caso do funcionalismo de Brasília.
“Não há uma justificativa do ponto de vista econômico”, afirma Marconi, lembrando que os funcionários públicos ainda contam com estabilidade no emprego. Num momento em que o país busca equilibrar as contas públicas, um dos principais focos devem ser as despesas de pessoal, avalia ele. É um ambiente nada propício para aumentos como os aprovados recentemente para os servidores federais. Com a perspectiva de aprovação do projeto que limita o crescimento dos gastos da União, as despesas com funcionalismo são uma das principais candidatas a serem contidas nos próximos anos.
No caso dos funcionários com ensino fundamental ou superior, a diferença não é tão elevada. Entre os que completaram o fundamental, os servidores públicos ganhavam em 2015 12,3% a mais que os trabalhadores da iniciativa privada na média do Brasil. No caso de quem terminou o curso superior, a diferença foi de quase 16% no ano passado.
A distância é bem maior no caso dos trabalhadores com ensino médio completo. Segundo Marconi, isso ocorre porque “a oferta de mão de obra no setor privado é ampla nesse segmento”. Além disso, no setor público há uma pressão por elevar os salários desse grupo, que é grande. “E, em alguns casos, eles pertencem a carreiras que demandam formação técnica qualificada”, diz Marconi.
A diferença aumenta muito quando se analisa o rendimentos do setor público em Brasília. Servidores com ensino fundamental completo ganhavam quase 150% a mais que trabalhadores da iniciativa privada em 2015, distância que pula para mais de 200% para quem tem ensino médio. No caso de quem terminou o curso superior, a diferença em Brasília é um pouco menor, mas segue elevada, atingindo 99,1%.
Se comparados com os salários da média do Brasil, o rendimento dos servidores da capital federal são ainda maiores. Os funcionários de Brasília com ensino superior completo, por exemplo, ganharam mais de 107% a mais que os trabalhadores do setor privado com carteira assinada.
Marconi lembra que o governo federal paga mais para a ampla maioria das funções. “Como a participação deles no conjunto dos funcionários públicos é bem maior em Brasilia, a média salarial dos servidores nessa região é também mais elevada”, diz o economista.
Ele destaca que diversas categorias de funcionários receberam aumentos expressivos no governo Lula. “As carreiras já vinham recebendo recomposições salariais no governo anterior e passaram a receber ainda mais durante o governo Lula”, diz Marconi. “Diversas carreiras mais organizadas oferecem hoje salário inicial entre R$ 14 mil e R$ 18 mil. Parece um pouco desproporcional em relação à situação do setor privado. Um jovem recém-formado, que recebe isso no setor privado, é uma raríssima exceção.”
Coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho diz não ver problemas no fato de os funcionários públicos ganharem mais. A questão, para ele, é que falta uma gestão melhor no setor público, com preocupação com produtividade, cobrança e a definição de metas. “Esse é o problema central no central público”, afirma ele. A falta de prestação de contas e de metas pode contribuir para os funcionários se acomodarem, num ambiente em que em geral há menos progressão ao longo da carreira do que no setor privado. “A meritocracia funciona menos no setor público do que no setor privado”, diz Menezes, reiterando que, para ele, o problema não é a diferença salarial em relação ao setor privado.
Marconi ressalta ainda que o governo precisa dar mais atenção à gestão de seus recursos humanos, um componente fundamental de qualquer estratégia eficiente de políticas públicas, “e mesmo de desenvolvimento”. Segundo ele, é preciso fazer um planejamento da força de trabalho que identifique o perfil, a quantidade e a necessidade de alocação de funcionários, guiando a política de recursos humanos com base no resultado desse trabalho. “Isso geraria maior eficiência e redução de gastos com pessoal.”
Ao fazer a comparação de salários, Marconi estabeleceu alguns filtros. Ele incluiu apenas trabalhadores entre 18 e 74 anos, com salários superiores a R$ 100 por mês. “Buscamos, com isso, eliminar algumas situações muito precárias no setor privado que não são observados no setor público”, afirma ele. “Ao não considerar os mais idosos, eliminamos pessoas que podem estar já aposentadas e ganhando menos em algum emprego mais precário. Assim, aproximamos um pouco mais as condições nos dois mercados de trabalho.”
Na média do Brasil, Marconi considerou apenas os empregados do setor privado com carteira assinada, e a comparação foi feita com o salário de funcionários estatutários e militares. No caso de Brasília, essa diferenciação não foi feita, porque as amostras ficariam muito pequenas. Ele observa ainda que a Pnad contínua não possibilita a separação por esfera de governo. Os funcionários municipais, que são maioria, recebem em geral uma remuneração mais próxima da iniciativa privada. “Para os estaduais, a diferença é um pouco maior e é realmente mais ampla para os federais.”