Santos (SP): Falta de consenso ameaça marco regulatório dos portos

impasse acerca do relatório da Medida Provisória 595, a MP dos Portos, pode impor uma derrota ao governo, que tenta flexibilizar a entrada no setor com a aprovação do novo marco regulatório. A perspectiva é de que não haverá tempo para votar a MP e transformá-la em lei. “Não deixa de ser um mico público”, admite um dos deputados da base governista. Se a MP 595 caducar, há um outro problema além do desgaste político. Não há consenso sobre como fica o marco regulatório portuário, responsável por escoar 95% do comércio exterior brasileiro em volumes.

Para o secretário-executivo da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra), Matheus Miller, não é consensual que a Lei 8.630/93 – a chamada Lei dos Portos, revogada pela MP 595 – voltaria a valer automaticamente. Segundo ele, por conta de o Brasil não ser adepto da “repristinação”, que permite a volta da lei revogada em razão de a “lei revogadora” ter perdido eficácia, é discutível a necessidade de um novo texto. “Mas o STF entende que nesses casos, por a medida provisória se tratar de uma norma juridicamente instável, provisória, uma vez não convertida em lei o texto anterior revogado voltaria a viger”, explica.

O presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, lamenta tanto esforço ir por água abaixo. “Volta tudo como era antes, com todos aqueles atos infralegais”, critica. O principal deles é o Decreto 6.620, publicado em 2008 para regulamentar a Lei dos Portos. Ele restringiu a entrada de novos players no setor ao exigir carga própria em quantidade superior à de terceiros para autorização de terminais de uso privativo misto. A MP 595 acabou com essa barreira. “O decreto gerou um conflito muito grande no setor que lamentavelmente só prejudicou o país.” Para Manteli, ressuscitado o arcabouço anterior, os investimentos no setor serão mais lentos e os cenários de megacongestionamentos de caminhões rumo aos portos e filas de navios para atracar tendem a se repetir em 2014.

De acordo com Daniel Coelho, do escritório Veirano Advogados, se a MP não for transformada em lei a 8.630/93 volta automaticamente a valer. O Congresso teria um prazo de 60 dias para editar um decreto legislativo definindo quais são os efeitos da MP durante o tempo em que ela funcionou. “Enquanto isso volta a valer a 8.630, é como se ela não tivesse saído do mundo jurídico”, explica.

Na visão de alguns parlamentares, enquanto vigorou, a MP 595 cumpriu um dos principais motivos pelo qual teria sido editada: legalizar a situação dos terminais privativos (autorizados sem necessidade de licitação) de contêineres que operavam como públicos, mesmo estando dentro de portos organizados. Depois de quase quatro anos, o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou improcedente no mês passado denúncia de irregularidades na exploração de terminais portuários privativos que atuam como prestadores de serviço, movimentando cargas de terceiros. O relator Raimundo Carreiro destacou que os argumentos da FNP ficaram superados pelo novo marco regulatório do setor, a MP 595, publicada em 7 de dezembro.

Desde a publicação da MP, houve muito desgaste sobretudo na relação do governo com os trabalhadores de portos públicos, os chamados “avulsos”. A categoria goza de um regime diferenciado de contratação, fora da CLT, e temia perder mercado de trabalho com a proliferação de portos privados, que ficaram mais fáceis de ser instalados com a MP. Os terminais privados, diferentemente dos arrendados, são dispensados de recrutar os avulsos, podendo contratar mão de obra no mercado comum. A categoria permanece com a ameaça de greves.

A MP 595 tem validade até 16 de maio. Depois de vencer a comissão o texto tem ainda de passar pelos plenários da Câmara e do Senado.

Conforme o Valor divulgou, o Palácio do Planalto resiste às alterações propostas pelo relator, o senador Eduardo Braga (PMDB-AM). Consequentemente, Braga suspendeu a apresentação do relatório à comissão que analisa a MP 595, originalmente prevista para esta semana.

O texto do relator tinha alcançado um consenso no empresariado. Incorporou a tese de adaptação de contratos anteriores a 1993; a prorrogação antecipada dos contratos de terminais de contêineres posteriores a 1993; e a autorização de terminais-indústria como terminais privados. “O relator estava administrando muitas contrariedades para produzir o relatório com os pontos que tinham sido costurados com o próprio governo. O governo voltou atrás na posição”, diz uma fonte da base de sustentação.

Segundo o deputado federal Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB na Câmara, as perspectivas são difíceis. “O PMDB estava apoiando o consenso pelo relatório. Fora do consenso não apoiará”.

Para o deputado federal Milton Monti (PR-SP), o governo deveria tentar “ao extremo” negociar a aprovação da MP 595 com as mudanças. “O governo precisa ser um pouco mais flexível. Acho que há uma certa inflexibilidade e isso, na minha opinião, está atrapalhando.”