CartaCapital
por Dimalice Nunes
Apenas agora, com a Selic abaixo dos 7%, spread bancário caiu para o nível de quando os juros básicos eram 14,25%. E lucro dos bancos segue recorde
O Banco Central reduziu, pela 11ª vez consecutiva, a taxa básica de juros, agora em 6,75% ao ano. Apesar de a Selic já ter alcançado em dezembro do ano passado o menor patamar desde 1986, o spread bancário – que é a diferença entre o preço que o banco paga pelo dinheiro e o que ele cobra dos seus clientes – segue elevado. Enquanto a Selic caiu para menos da metade, o spread alcançou apenas em dezembro os 32 pontos, mesmo patamar de dois anos antes, quando a Selic ainda estava em 14,25%.
Consequência direta desse descasamento entre o comportamento da taxa básica de juros e do spread é que os cortes da Selic não chegam ao bolso de quem toma dinheiro emprestado no sistema bancário ou faz compras a prazo. Pelo contrário: os maiores bancos do país é que seguem acumulando lucros recordes.
Para o professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) Cesar Caselani, a baixa concentração do sistema bancário brasileiro, aliado a um risco alto de crédito, levam a esse cenário de spread alto. Levantamento do Banco Mundial apontou que em 2016 o spread bancário brasileiro, à época na casa dos 40 pontos, era o segundo mais alto do mundo, atrás apenas do de Madagascar.
“O Brasil está sempre entre os três spreads mais altos do mundo, e mesmo quando olhamos para outros países da América Latina, que têm risco semelhante, os valores são muito maiores”, afirma o professor. Ele lembra que o mesmo levantamento do Banco Mundial mostra que o spread médio na América Latina era de 7,5 pontos em 2016, mais de 30 pontos acima do brasileiro.
A conta, então, fica para a falta de competição entre os bancos. Segundo o professor de economia do Ibmec-SP João Ricardo Costa, é a alta concentração do sistema bancário no Brasil que explica boa parte da demora para que os cortes da Selic cheguem aos juros praticados no mercado. “A competição é muito baixa e as instituições não repassam para os clientes os cortes da Selic”, afirma.
O Brasil tem cerca de 150 bancos autorizados a funcionar, mas dados do Banco Central mostram que apenas os quatro maiores – Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Itaú – detêm 73% do total de ativos do sistema e 80% do crédito concedido no País. Excluídos Banco do Brasil e Caixa Econômica, bancos públicos, o Santander entra no ranking.
No ano passado, o Itaú lucrou 24,9 bilhões de reais, o Bradesco 19,1 bilhões e o Santander 9,9 bilhões, crescimentos de 12,3%, 11,1% e 35,6%, respectivamente. “Os números destoam, com bancos indo muito bem quando todo mundo vai mal’, afirma Costa. “Para de fato os juros caírem é preciso mexer na competição”, reforça Costa.
Descompasso
Após atingir níveis historicamente baixos em meados de 2012 – 7,25% ao ano – a taxa Selic iniciou sua escalada, com um Banco Central mirando o controle da inflação. De aumento em aumento, chegou em 14,25% em julho de 2015, o maior nível desde agosto de 2006.
Depois de pouco mais de um ano, com a inflação sob controle e uma economia em recessão, um novo ciclo de cortes começou, com reduções sucessivas que levaram a Selic aos atuais 6,75%.
A trajetória do spread bancário, no entanto, segue desalinhada do comportamento das taxas de juros. Há um ano, quando a Selic já estava em 12,25%, dois pontos abaixo do recorde anterior, era o spread quem batia recorde, aos 42,7 pontos.
Foi a partir de então, mais de seis meses após o início da queda da Selic, que o spread começou a cair. Em dezembro de 2017, alcançou o patamar de dezembro de 2015, a casa dos 32 pontos. Naquele momento, a taxa Selic já havia caído à metade. Em dezembro de 2015 a Selic estava ainda estava em 14,25% ao ano.
No período pré-crise, o Brasil teve a combinação de um spread bem mais baixo com a Selic perto de 7% ao ano. Isso ocorreu em julho de 2013, quando a diferença entre o que se paga e recebe em juros no Brasil estava em 20 pontos, 12 pontos abaixo do patamar atual.
No bolso do consumidor a conta segue alta. Os juros praticados pela economia caíram, mas de forma bem mais modesta do que a Selic. De acordo com os dados da Nota de Política Monetária à imprensa e Operações de Crédito, divulgada no último dia 29 pelo Banco Central, o juros cobrados no cheque especial, por exemplo, estavam em 323% ao ano em dezembro e sofreram uma queda praticamente irrisória em um ano: eram 328% ao ano em dezembro de 2016. No cartão de crédito era 334% ao ano em dezembro.
Após o novo corte da Selic, o empresariado reforçou que o que importa agora é que a redução da taxa básica chegue no tomador de crédito. Segundo nota da Fiesp, as altas taxas para o tomador final retiram poder de compra das famílias, inibem o investimento e a geração de emprego por parte das empresas e dificultam a retomada do crescimento. “O Banco Central precisa deixar de só fazer ameaças ao sistema bancário. Tem que tomar ações incisivas para reduzir a taxa de juros ao tomador final.”
A partir de agora a expectativa é de que o ciclo de cortes da Selic se encerre. Os especialistas consultados na pesquisa Focus do Banco Central desta semana esperam que os juros básicos fiquem em 6,75% ao ano até o fim de 2018. O próprio BC sinalizou isso no anúncio do corte desta quarta-feira: “para a próxima reunião, caso o cenário básico evolua conforme esperado, o Comitê vê, neste momento, como mais adequada a interrupção do processo de flexibilização monetária”, diz o comunicado. A próxima reunião do Copom será em 21 de março.