Por causa da crise, eles agora são obrigados a enfrentar o Sistema Único de Saúde
Há três meses, quando a empresa de seguros onde trabalhava cortou o plano de saúde dos funcionários, a corretora Marina Medeiros, de 25 anos, inquietou-se: sem o benefício, ela, mãe de Nina, hoje com 1 ano e oito meses, teria que peregrinar pelas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e emergências de hospitais públicos com a criança no colo. Começou a pensar nas horas que passaria nas filas intermináveis que via na TV. Este mês, a filha de Marina já passou duas vezes pela UPA de Copacabana. A primeira, para tratar uma pneumonia.
— Esta UPA é melhor que as outras, como a de Botafogo. Minha filha tomou dez injeções de antibiótico aqui, todas de graça. A de penicilina custa R$ 75 a dose — conta Marina, que voltou a levar a filha à UPA na quarta-feira da semana passada, depois de Nina sofrer com enjoos.
A nova realidade de Marina e da filha tem sido a mesma de um grupo crescente no Rio: o de ex-beneficiários de planos de saúde. Por causa da crise, eles agora são obrigados a enfrentar o Sistema Único de Saúde. Muitos perderam o emprego e, consequentemente, o plano. Outros, com a renda achatada, já não podem pagar por um. Ao todo, de dezembro de 2014 para dezembro de 2015, mais de 196 mil pessoas perderam o plano de saúde no estado. O número representa uma queda 3,2%. Os dados são da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Antes da crise, a tendência era de crescimento. Em dezembro de 2010, no Rio, havia 5.604.338 usuários de planos. No mesmo mês de 2014, o número chegou a 6.127.946. De lá para cá, entretanto, houve queda em todos os trimestres. No Rio, o decréscimo é mais acentuado que no Brasil, onde a redução média foi de 1,5% dos 50.496.436 registrados em dezembro de 2014.
De acordo com o secretário estadual de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Júnior, o fenômeno vem chamando a atenção de diretores de hospitais e funcionários de UPAs (especialmente as localizadas em bairros de classe média). Com isso, as UPAs, onde a procura sempre foi menor, como a de Botafogo e a da Tijuca, estão deixando seus pacientes mais tempo na fila de espera.
— Estamos vendo o movimento aumentar. As UPAs em regiões com melhor localização estão recebendo uma demanda cada vez maior. A gente vê que é um perfil de paciente mais qualificado. E, a cada dia, a demanda por medicamentos está aumentando, até para os relativamente baratos — afirma o secretário. — Todas as maternidades estão lotadas. Há muitas mulheres usando a nossa rede que antes estavam na rede privada.
Pacientes que sempre usaram os serviços das UPAs sofrem ainda mais com a superlotação. A diarista Iris Cristina Freire, de 41 anos, por exemplo, já não conseguia atendimento na unidade de Queimados, onde mora. Agora, enfrenta filas de horas também na UPA de Botafogo, próxima da residência onde trabalha:
— Tem dia em que está lotada, com fila aqui fora. Os médicos tentam dar conta e não conseguem. Eu moro em Queimados, e a UPA lá não está funcionando. Não tem medicamento, não tem médico, não tem nada. Infelizmente, a saúde pública está assim — disse ela, enquanto saía da unidade sem diagnóstico, mesmo com sintomas de zika.
Segundo a Secretaria de Saúde, o fenômeno se insere num contexto de dificuldades financeiras — o estado mal tem repassado verbas para a pasta — e de alta na demanda, que já vem ocorrendo desde 2010. Naquele ano, os hospitais estaduais tiveram 31.647 internações. Em 2015, foram 114.747. Em relação a 2014, foram 21,9 mil internações a mais. Ao mesmo tempo em que a procura aumentou, há menos dinheiro. Dos R$ 200 milhões de orçamento mensal do órgão, só metade foi repassada pelo tesouro estadual em fevereiro. Em março, pouco mais de um quarto.
— Há uma superlotação que a gente já não consegue reduzir. Na região mais carente, o pessoal também perdeu o plano de saúde, mas já havia superlotação. A rede não tem como se preparar para receber essa demanda. Se o país continuar nesta recessão, com aumento do número de desempregados, a tendência é de agravamento — admite Luiz Antônio.
Entre novembro de 2015 e janeiro deste ano, a pasta viveu uma crise sem precedentes, com emergências fechadas e unidades sem insumos básicos.
Para Luiz Augusto Carneiro, superintendente-executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iess), a migração dos usuários dos planos de saúde para a rede pública está intimamente relacionada à crise e, principalmente, ao desemprego causado por ela. Sessenta e cinco por cento dos beneficiários estão em planos empresariais.
— No mundo todo, quando há desaquecimento da economia, o gasto per capita com saúde cresce menos também — analisa ele.
Segundo Carneiro, a tendência pode estar apenas no início. — Se continuarmos em recessão e se o desemprego se agravar, esse fenômeno de perda de beneficiários vai aumentar.
Foi justamente a demissão que obrigou Joaquim Gomes, de 40 anos, a frequentar unidades públicas. Há um ano, ele perdeu o cargo de secretário que ocupava numa empresa. Morador da Glória, Joaquim tem recorrido às UPAs para tratar sua bronquite crônica. Pagar um plano de saúde, para ele, é inviável, até que consiga um novo trabalho:
— Um plano de saúde é muito caro, e estou desempregado. A gente tem passado por muitas dificuldade com gastos de transporte, remédio, saúde. Os medicamentos para o meu tratamento, por exemplo, a rede pública não dá — queixou-se ele.
ECONOMIA COM OS REMÉDIOS
A estudante Telma Lucena: mesmo com plano de saúde, ele procura a UPA para ganhar os remédios e economizar essa despesa – Antonio Scorza
Para Thayanne Garrão, de 33 anos, faltou dinheiro para pagar o plano em dia. Professora da rede particular, ela só recebe o salário no quinto dia útil, enquanto a mensalidade do plano vencia todo dia 1º.
— Fico preocupada por não ter plano. Tenho medo de ficar jogada (na rede pública de saúde), como naquelas filas que aparecem na televisão. Por isso, vou procurar um plano novo, com uma data de vencimento melhor — diz ela. — Várias amigas minhas já não têm mais condições de ter um plano, está caro.
Já a estudante Telma Lucena Pereira, de 24 anos, faz parte de um grupo cada vez mais comum nas UPAs de bairros de classe média: o dos que têm planos de saúde, mas preferem economizar nos medicamentos, que são fornecidos nas unidades públicas. Segundo ela — que, sem dinheiro para o aluguel, voltou a morar na casa da mãe com o marido —, é preciso cortar despesas:
— Aqui (na UPA de Copacabana), eles estão me dando amoxicilina para tomar por dez dias. O remédio me custaria cerca de R$ 60.