Bárbara Pombo | De Brasília
Alteração de códigos processuais e adoção de repercussão geral ou súmula vinculante não são remédios para conter a avalanche de novos processos trabalhistas – 3,6 milhões em 2011. Para o primeiro presidente negro da história do Tribunal Superior do Trabalho (TST), a solução é a aprovação de três projetos de lei em andamento no Congresso Nacional. Mineiro de Pedro Leopoldo, Carlos Alberto Reis de Paula afirma, porém, que o Legislativo, sob o governo do PT, está insensível às questões trabalhistas. “Nossa sociedade valoriza muito mais o dinheiro do que o trabalho”, diz.
Visto por colegas como homem de opinião forte, mas bom ouvinte e acessível, o ex-seminarista afirma que está largando tudo para se dedicar exclusivamente à presidência do TST. Deixou a Universidade de Brasília (UnB) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para uma gestão de apenas um ano. Assumirá em 5 de março e deixará a Corte em fevereiro de 2014, com a aposentadoria compulsória aos 70 anos. Mas promete deixar sua marca.
Como uma das primeira medidas, anunciará que em 2013 os ministros não vão parar por uma semana para analisar a jurisprudência, estudar alterações regimentais e propostas de modificação na legislação trabalhista. “Não se pode realizar outra Semana do TST com tanta proximidade. Isso faz com que as coisas não estejam maduras”, afirma o ministro que, entre um cigarro e outro, concedeu uma entrevista exclusiva ao Valor. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual a marca que quer deixar no TST?
Carlos Alberto Reis de Paula: Uma pessoa que assume o cargo de presidente do TST deve deixar sua marca. Se não deixar, não foi presidente. Vou continuar fazendo o que os outros fizeram, 25 horas por dia. Por isso, estou largando tudo. Eu me aposentei da Universidade de Brasília no dia 3 de dezembro. Sou professor. Vou deixar também o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] assim que tomar posse. Com a criação do CNJ, não há um órgão que não tenha planejamento. Eu vou cumprir o planejamento estratégico.
Valor: Advogados criticam a Semana do TST. O senhor pretende manter esse projeto?
Carlos Alberto: A Semana do TST foi uma iniciativa do ministro Francisco Fausto Paula de Medeiros, presidente entre 2002 e 2004. O ministro João Oreste Dalazen já realizou duas edições, em 2011 e neste ano. Mas lhe adianto que não haverá Semana do TST em 2013.
Valor: Por quê?
Carlos Alberto: Agora é um momento para refletirmos. Jurisprudência se cria com o tempo. Temos que deixar que as ideias se assentem, que haja controvérsia para depois haver consolidação. Não se pode realizar outra Semana do TST com tanta proximidade. Isso faz com que as coisas não estejam maduras. Tecnicamente, súmula é consolidação da jurisprudência.
Valor: O senhor acredita que foi aprovada alguma súmula ou orientação jurisprudencial que não refletisse a opinião do colegiado?
Carlos Alberto: Acho que não. Quando criamos uma súmula, orientação jurisprudencial (OJ) ou mudamos redações, respeitamos o regimento interno. Você quer me perguntar se estamos arrependidos de alguma coisa? Na Justiça, não pode haver arrependimento. O Judiciário tem que ter sensibilidade. Podemos consolidar um entendimento e novos fatos nos mostrarem que devemos alterá-lo. Não é arrependimento, mas ajuste. Temos que prestar contas à sociedade.
Valor: Advogados dizem que o TST estaria legislando nessas semanas.
Carlos Alberto: Dizer que estamos legislando é desconhecer o que é uma súmula ou uma orientação jurisprudencial. Se os advogados acham isso, é só irem ao Supremo Tribunal Federal. A Corte pode dizer se estamos ofendendo a Constituição.
Valor: Qual sua opinião sobre o que se chama de ativismo judicial?
Carlos Alberto: O Brasil não pode viver de slogan. É fácil criar slogan. Ativismo judicial para mim é uma expressão que várias pessoas usam e não sabem o sentido. O Judiciário é tecnicamente um poder de prestação jurisdicional. Mas é também um poder político. As decisões do Judiciário influem na organização da sociedade. Quando não há dispositivo legal e alguém bate na minha porta, eu tenho que dar resposta. Nós temos, sim, omissões no Legislativo. Isso não é ativismo judicial. É o Judiciário cumprindo sua função.
Valor: Há três anos, o TST tem conseguido julgar mais recursos do que recebe. Como tem conseguido fazer isso?
Carlos Alberto: Como um pai cria dez filhos? Cada ministro recebe em média de 900 a mil processos por mês. Eu tenho 40 funcionários, 30 dos quais me ajudam a analisar os recursos. Isso é uma fábrica, em que o dono é o ministro e os servidores são os gerentes. O meu gabinete é um dos seis ou sete que não possuem mais processos físicos, apenas eletrônicos. Dizem que ganhamos muito. Ganho R$ 25 mil bruto, R$ 15 mil líquido. Se estivesse achando ruim, teria ido embora para casa. Mas a verdade é que ganho pouco. Estamos sem reajuste há seis anos.
Valor: Está em andamento no Congresso um projeto de lei para aplicar a súmula vinculante no STJ. Seria uma boa medida também para a Justiça do Trabalho?
Carlos Alberto: Os problemas da Justiça do Trabalho não serão resolvidos com a súmula vinculante. A sociedade deve mudar sua cultura e precisamos mudar nosso sistema recursal e de execução. Temos dois projetos em andamento sobre esses assuntos no Congresso. Temos outro projeto de lei, mas a Confederação Nacional da Indústria criou muito caso. Pegamos a CLT, que está em linguagem inadequada, e modernizamos. A CLT fala em real, cruzeiro, cruzeiro novo e valor de referência. Tivemos um debate no dia 6 com juristas e empresários e eles retiraram suas objeções. Criaram problemas por conta das multas. Adotamos um critério técnico. Mas quando o valor de uma multa sobe, começam a criar caso. Essa é a grande verdade. Mas entramos em acordo.
Valor: É possível com esses projetos de lei resolver os problemas de excesso de recursos e congestionamento de processos?
Carlos Alberto: Alguns, mas não todos os problemas. Eles estão na origem, meio e fim. Mas o maior deles está na execução. Você começa a execução e não acaba. Ataco aquilo que é fator de estrangulamento. Agora é muito difícil fazer caminhar projeto relacionado a direito do trabalho no Congresso Nacional.
Valor: Por quê?
Carlos Alberto: Há uma visão distorcida das questões sociais. Te dou um exemplo. O Código de Processo Civil foi alterado limitando e restringindo direitos. Mas não criam caso. Nossa sociedade não valoriza o trabalho. Valoriza muito mais o dinheiro do que o trabalho. Essa é a mais pura verdade.
Valor: De onde parte essa resistência aos projetos do TST?
Carlos Alberto: Estamos no governo do PT há dez anos. Entrei no TST em 1998, há 14 anos. A maior parte dos nossos projetos foram apresentados nos anos Lula e Dilma. Deduz do jeito que quiser. Só digo que os nossos, até hoje, não andaram.
Valor: O CPC resolve o problema de excesso de recursos?
Carlos Alberto: Nem a Constituição resolve. Na Emenda Constitucional 45, criaram algo que é lindo. Ao invés de o Supremo ficar julgando, julgando e julgando, pega um processo e interrompe os outros em todos os tribunais. O Supremo decide e julga tudo. O ministro Joaquim Barbosa, segundo eu li, anda dizendo que é um dos maiores problemas do Supremo. E é. A repercussão geral era para dar agilidade. E o que aconteceu? Hoje, só no TST, 50 mil processos estão parados. Não podemos julgar. Era para agilizar e agora engarrafou. Têm coisas que você acha que é remédio e vira veneno.
Valor: A repercussão geral, então, não é um remédio para a Justiça do Trabalho?
Carlos Alberto: Na CLT, temos um dispositivo parecido com o da repercussão geral. Mas nunca foi regulamentado. Nunca nos entendemos quanto a isso. Como a maior parte dos ministros é contra, e eu sou um dos mais radicais, nunca será regulamentado.
Valor: Por que o senhor é contra?
Carlos Alberto: Os critérios de transcendência são de difícil regulamentação. O que é um critério de natureza econômica? É muito fácil escrever. O duro é ler.
Valor: O fato de termos dois ministros negros na presidência de tribunais superiores é simbólico ou terá efeitos práticos?
Carlos Alberto: A ministra Luiza Bairros [da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial] na carta em que me parabenizou pela eleição disse que isso servirá de inspiração para que o país avance na afirmação da igualdade como valor essencial da democracia. Minha eleição tem importância simbólica, cultural e histórica. Aqueles que acham que são discriminados passarão a acreditar que é possível ascender. Negros e índios não deveriam ficar à margem do poder. Um país com mais de 50% de pretos e pardos tem ainda poucos negros em restaurantes.