Por Daniel Rittner | De Brasília
O empresário Jorge Gerdau foi acionado pelo Palácio do Planalto para acalmar a iniciativa privada, que também reagiu mal ao pacote do governo. Na semana passada, ele se encontrou com representantes de importantes associações do setor, como ABTP (operadores de terminais portuários) e Abratec (operadores especializados em contêineres).
Apesar da proximidade com a presidente Dilma Rousseff, Gerdau não ficou satisfeito com o pacote e deverá costurar uma proposta conjunta com os empresários para modificar o texto da MP 595, que recebeu 645 emendas parlamentares. O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), é o nome mais cotado para assumir a relatoria da medida provisória. Isso indica o grau de atenção dado pelo Planalto à tramitação no Congresso.
Enquanto trabalhadores e empresários aumentam a pressão, o ministro-chefe da Secretaria de Portos, Leônidas Cristino, já trata de esfriar as expectativas por alterações. Ele disse ontem ao Valor que “não é razoável mudar a essência” da MP. “Podemos melhorar alguns pontos e aceitar novos artigos, aperfeiçoar a redação, mas há pontos importantes que não podemos mudar”, afirmou Cristino. “O que for para melhorar, nós aceitaremos. Se for para modificar a essência, aí fica bastante complicado”, agregou.
A “essência” mencionada pelo ministro é justamente o ponto mais polêmico da MP: a liberação de novos terminais privativos, sem restrições para a movimentação de cargas de terceiros – ou seja, que não a empresa responsável pela construção do empreendimento. Antes, havia a necessidade de carga própria para justificar o investimento e apenas o residual podia ser destinado a terceiros. A única condição é que os terminais privativos fiquem fora dos portos organizados.
“A MP pode destruir os portos brasileiros e precarizar a mão de obra”, reclamou o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). Ele teme uma concorrência desequilibrada entre terminais privativos e terminais públicos (operados por empresas que pagam arrendamento ao governo e são obrigadas a contratar trabalhadores organizados). “É um modelo que não existe em nenhum lugar do mundo”, afirmou o deputado.
Sindicatos ligados à central de Paulinho fazem uma mobilização hoje, na Câmara dos Deputados, cobrando mudanças na MP 595. A tendência é declarar estado de greve. Em seguida, têm audiência marcada com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). “A ideia é ter um calendário de manifestações e até de paralisações”, comentou.
O presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP), Eduardo Guterra, também se opôs à medida provisória e reclamou da falta de diálogo com o governo. “A nossa atuação se restringiu ao cumprimento dos prazos para apresentar sugestões de emendas”, observou. Para ele, a MP tem brechas que permitem a privatização das Companhias Docas e privilegia os terminais privativos, que não precisam contratar trabalhadores do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), entidade que gere o fornecimento de trabalhadores avulsos para as operações portuárias.
As federações do setor vinculadas à CUT decidem, no dia 21, se iniciam uma onda de paralisações. “Está na pauta uma greve de âmbito nacional”, adiantou Guterra. “A MP, do jeito que está, pode levar os portos a um monopólio privado”, disse o sindicalista.
O movimento grevista tem o apoio tácito de uma parte do empresariado. A visão de alguns representantes da iniciativa privada é que, apesar dos prejuízos imediatos, as paralisações podem chamar a atenção para a tramitação da MP. Outros, no entanto, discordam. “O pacote do governo reativou o instinto animal dos trabalhadores”, disse um operador portuário do Nordeste, ao lembrar que a situação no setor estava calma e não houve nenhuma greve no passado recente.
Uma das principais queixas de operadores de terminais públicos é que eles pagam arrendamento às Docas e precisam devolver suas instalações ao fim dos contratos. Já os terminais privativos não recolhem nada à União e, pela MP 595, podem ter suas autorizações de funcionamento renovadas ilimitadamente e sem a necessidade de reverter as instalações ao patrimônio público.
Eles são responsáveis, no entanto, por todo o investimento na construção dos terminais – o que envolve desde a compra do terreno até as linhas de transmissão que fazem a energia chegar até lá. Os terminais públicos arrendados à iniciativa privada estão dentro dos portos organizados e usam a estrutura fornecida pelas Docas, como canais de acesso e obras de dragagem.
Gerdau, segundo interlocutores, pode encaminhar mudanças no texto original da MP como o estabelecimento de prazos para os terminais privativos e a reversibilidade dos bens. Isto é, pontos que evitam mudanças na “essência” da medida provisória.
Leônidas Cristino combate os argumentos de que a MP criou desequilíbrios no setor e favoreceu terminais privativos. “Os terminais públicos vão continuar crescendo. Vamos melhorar a gestão das Docas e fazer grandes licitações de arrendamentos dentro dos portos organizados.”
Para o ministro, a tramitação da MP dará oportunidade ao governo de responder às dúvidas dos empresários. “Queremos mostrar a importância das medidas anunciadas e como elas podem destravar investimentos. Vamos colocar com muita clareza o que nós planejamos”, disse Cristino. Ele reagiu com irritação à possibilidade de greve. “Não compreendo o porquê desse tipo de ação”, lamentou o ministro.
Com a volta do recesso parlamentar, o primeiro passo na tramitação da MP é a formação de uma comissão mista, com integrantes da Câmara dos Deputados e do Senado, para apreciar o texto enviado pelo governo, que prevê investimentos de R$ 54 bilhões, até 2016/2017, com o pacote de portos. Isso deve ser feito logo após o Carnaval, com a designação dos parlamentares e a escolha, logo em seguida, do presidente e do relator da comissão.