Sindicatos vão exigir reajustes, mesmo com mercado em baixa

 As centrais sindicais não medirão esforços para conseguirem aumentos reais de salários neste ano, apesar da expectativa de retração da economia e de inflação em patamar alto.

De acordo com especialistas, essa atual conjuntura pode provocar um desaquecimento do mercado de trabalho em 2015, com possibilidade de demissões em alguns setores e de diminuição no ritmo das contratações. No entanto, há opiniões mais positivas a esse respeito. Para o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Leonardo Trevisan, por exemplo, os serviços devem seguir em crescimento no ano, garantindo vagas de emprego. “O setor de serviços responde por mais de 60% da economia brasileira”, afirma.

O coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), José Silvestre, avalia que, em razão do aumento da inflação e da expectativa de recessão econômica, “há possibilidades reais de um aumento do desemprego, de queda na formalização e de crescimento da precarização do trabalho”. Nesse cenário, as negociações de salário devem ser mais duras, comenta ele.

“Negociações salariais são sempre difíceis. Mas evidentemente que em cenários adversos, como os que devemos ter em 2015, essas dificuldades se potencializam e acredito que a intransigência patronal será maior”, ressalta Silvestre.

Para o coordenador do Dieese, contudo, os trabalhadores devem conseguir aumento real de salário neste ano, mesmo diante dessa conjuntura. “O que pode ocorrer, na verdade, é uma compressão no tamanho dos ganhos reais, ou seja, uma redução da diferença entre a inflação e o ganho que excede a ela”, diz.

“De todo modo, haverá ganho real, pois, embora a economia possa ser recessiva, esse movimento não é igual para todos os setores. […] O movimento sindical vai lutar para recuperar os salários acima da inflação” acrescenta o coordenador.

Setor financeiro

O presidente Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Carlos Cordeiro, afirma que a categoria não vê grandes dificuldades em conquistar reajustes salariais acima da inflação. “Os lucros dos bancos são muito superiores ao aumento da inflação que tivemos. Em 2014, as instituições financeiras lucraram 25% a mais do que em 2013”, afirma Cordeiro. “Além disso, a rentabilidade dos bancos no Brasil sobre patrimônio chega ser, muitas vezes, três ou quatro vezes maior do que em países europeus, por exemplo, cuja essa rentabilidade é de 8%. […] Portanto, se tem um setor da economia que é capaz de promover aumentos reais de salários, neste momento, é o setor financeiro”, ressalta Cordeiro.

O secretário de administração da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e presidente do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), Quintino Severo, também tem expectativas positivas com relação aos reajustes de salário neste ano. Ele afirma que os trabalhadores têm conseguido ganhos reais em 98% dos acordos firmados nos últimos anos. “Mesmo o Brasil passando por um período de baixo de crescimento, nós temos condições de obter conquistas. […] As empresas acumularam lucros nos últimos anos. A indústria brasileira, por exemplo, utiliza hoje 70% da sua capacidade instalada. Até a década de 2000, esse percentual era de 50%. Portanto, há uma ‘gordura’ acumulada nas companhias em que é possível obter ganhos aos trabalhadores. Com pressão, vamos nos esforçar para que não ocorra nenhum acordo com reajuste abaixo da inflação”, afirma o representante da CUT.

Para o professor de economia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Ricardo Couto, se, por um lado, os trabalhadores vão exigir uma correção que compense a alta dos preços da economia, os empresários brasileiros estarão apertados diante da alta dos juros e da valorização do dólar frente ao real. “Há muitas inseguranças que comprometem o mercado de trabalho. Portanto, o que vamos ter neste ano é uma disputa difícil entre os sindicatos e as empresas que pode culminar em fechamento de vagas em alguns setores. Pois, se o dissídio for muito ruim para o lado do empresário, a única solução vai ser demitir, já que pode não haver possibilidades de pagar o reajuste para todo o quadro de funcionários”, afirma Couto.

Para Severo, o setor que terá mais dificuldades em 2015 é o da construção civil. “As denúncias da Operação Lava-Lato comprometem os investimentos na área e isso impacta o mercado de trabalho”, diz o secretário administrativo da CUT.

Serviços

Para Trevisan, é preciso ter cautela na avaliação da dinâmica do emprego e do desemprego no Brasil neste ano. Segundo o especialista, o cenário não é tão pessimista e lembra que a inflação dos serviços, em doze meses, está em 8,57%, segundo dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do mês de fevereiro.

“Quando a inflação de serviços é alta significa que ainda existe demanda e que o emprego está bem sustentado. Isso porque o setor representa mais de 60% do nosso PIB [Produto Interno Bruto]”, afirma o professor da PUC.

Para ele, a tendência é que o primeiro semestre, de fato, seja caracterizado por um mercado de trabalho menos aquecido, devido ao ritmo econômico mais baixo. No entanto, avalia que deve haver alguma recuperação da economia no segundo semestre, tendo em vista os ajustes fiscais em curso. O que pode promover, portanto, uma melhora do emprego no País. “É possível também que a inflação volte a desacelerar no segundo no final de 2015”, diz ele.

Severo também estima que deve haver uma retomada do crescimento, ainda que pequeno, no próximo semestre e que, por isso, o setor de serviços vai sentir menos os impactos da elevação dos juros e do patamar alto de inflação.