STF decide que CNJ pode investigar magistrados

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pode abrir investigações contra juízes suspeitos de desvios de função e de corrupção. A decisão foi tomada, ontem, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por seis votos a cinco. O resultado do julgamento, apesar de apertado, marcou uma importante vitória da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon. Ela foi a maior defensora da possibilidade de o CNJ investigar os juízes, diante da falta de atuação de muitos tribunais estaduais sobre casos de corrupção e de desvios funcionais de seus magistrados.

A decisão permite que a Corregedoria Nacional promova investigações sobre magistrados, mesmo nos casos em que os tribunais onde eles trabalham não iniciem apuração.

Os ministros julgaram uma ação da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que reclamou da falta de critério nas investigações do CNJ. A entidade contestou a Resolução nº 135 do CNJ que disciplina as formas de punição aos juízes. O STF decidiu votar artigo por artigo dessa resolução.

A ação da AMB dividiu o STF. Para o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, o Conselho não poderia atuar sobre os tribunais dos Estados, pois isso fere a independência e a autonomia dessas cortes.

O presidente do STF, ministro Cezar Peluso, também reclamou que dar esse poder ao CNJ levaria a esvaziar a atuação das corregedorias dos tribunais. Elas não iriam mais investigar os seus juízes, pois essa função passaria a ser exercida pelo CNJ.

O decano do STF, ministro Celso de Mello, propôs critérios para o CNJ avocar processos das corregedorias. Ricardo Lewandowski também defendeu que, se os tribunais locais estiverem inertes, se simularem alguma investigação, atrasarem o andamento desses casos ou mostrarem falta de independência para atuar é que a Corregedoria Nacional do CNJ poderia trazer para si os casos de juízes suspeitos de desvios e de corrupção. Luiz Fux aderiu a essa corrente. “Havendo motivação, é possível que o CNJ possa iniciar procedimentos contra magistrados”, disse Fux.

Mas prevaleceu outra corrente, que defendeu uma atuação direta do CNJ. “Até as pedras sabem que as corregedorias dos tribunais não funcionam quando se cuida de investigar os próprios pares”, disse o ministro Gilmar Mendes, um dos maiores defensores do CNJ dentro do Supremo. “A Constituição conferiu ao CNJ o poder de avocar processos em curso nas corregedorias dos tribunais”, completou o ministro Joaquim Barbosa.

Os ministros José Antonio Dias Toffoli, Carlos Ayres Britto e Cármen Lúcia Antunes Rocha disseram que o CNJ não está ferindo a autonomia dos tribunais dos Estados. “Autonomia cada órgão tem segundo o que a Constituição fixa”, disse a ministra. Na avaliação de Toffoli, a Emenda Constitucional nº 45, que criou o CNJ, estabeleceu-o como órgão nacional de controle. “O CNJ deve ser órgão central de controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos seus membros”, afirmou Toffoli. “Eu não vejo o CNJ como um problema, mas como uma solução”, completou Britto.

O resultado do julgamento só ficou claro com o voto de Rosa Weber, a ministra novata no STF. Ela concluiu que o CNJ tem iniciativa para agir, na ausência de investigação pelos tribunais locais.

O voto de Rosa Weber – o primeiro dela no STF – foi imediatamente contestado pelo relator, o que gerou um debate no tribunal. “Vossa Excelência propõe, então, a supremacia do CNJ sobre os tribunais?”, perguntou Marco Aurélio. “O que eu digo é que o CNJ pode sim. Ele tem competência primária, embora concorrente (com os tribunais), para exercer o controle administrativo e disciplinar”, respondeu Rosa.

“Então, como justificamos o fato de ele ter determinado a baixa de 90% das reclamações [contra juízes]? Ele pode escolher a reclamação que vai julgar a seu bel prazer? É um super-órgão?”, continuou Marco Aurélio. A resposta foi dada por Mendes: “O CNJ pode por uma razão muito simples. Ele avalia os casos.”

“Mas, ele precisa fundamentar”, reclamou Lewandowski. “O CNJ não pode atuar sem motivação. Não existe ato administrativo sem motivação”, continuou.

“O CNJ tudo pode”, finalizou Marco Aurélio, com ironia, ao ver que o resultado final seria contrário ao seu voto.

Ao julgar outros artigos da resolução, o STF decidiu que o CNJ pode recorrer contra as decisões dos tribunais dos Estados que arquivam investigações. Mas, por sugestão de Peluso, foi dado o direito de recorrer também aos juízes. Foi decidido ainda que os juízes podem ser punidos com aposentadoria compulsória – a pena mais alta para a magistratura. Mas foi feita a ressalva de que, mesmo aposentados, os juízes condenados continuam recebendo salários. Os ministros também decidiram que as investigações contra juízes não podem ser sigilosas. “Nas coisas públicas o melhor desinfetante é a luz do Sol”, definiu Ayres Britto.